Algo que sempre me incomodou é o terrível comportamento do brasileiro no trato com o lixo. Não fomos acostumados a manter limpos os locais que frequentamos e basta olhar um estádio de futebol após uma partida, por exemplo, para verificar quanto lixo produzimos e o quanto não nos preocupamos com seu descarte correto. Isso para não falar do que acontece após um dia de carnaval. Passada a multidão, entra a escola de samba dos garis, para tentar limpar toda a bagunça.
De um modo geral, o brasileiro só vê como responsabilidade sua, quanto ao assunto lixo, a própria casa onde reside. A partir dali, parece sempre esperar um escravo para limpar sua sujeira.
É certo que, pelo menos desde a República, o Estado brasileiro assumiu o protagonismo no recolhimento dos resíduos sólidos. Mas isso pareceu significar à nossa gente o enraizamento de uma mentalidade de que cuidar da sujeira de uma cidade é algo que cabe ao outro. Afinal de contas, pago meus impostos, qual o problema de jogar papel no meio da rua? O Estado que limpe.
Lembro disso ao observar como alguns de nossos irmãos latinos enfrentam de maneira tão diversa, e com resultados tão melhores, a pandemia do novo coronavírus. Vejamos o exemplo do Uruguai. Apesar de não ter declarado quarentena obrigatória ou exigido o uso em massa de máscaras, o Uruguai tem conseguido manter índices baixos de casos da covid-19 e leitos de UTI desocupados.
O país, contudo, desde o surgimento dos primeiros casos, adotou medidas duras: fechamento de fronteiras, limitação de voos e aulas, proibição de aglomerações. Mas o decisivo não foi o comportamento do Estado, mas da sociedade: ela compreendeu a importância de prevenir o adoecimento coletivo e mais de 90% da população, mesmo sem a coerção estatal, resolveu adotar medidas de isolamento.
Com o contágio controlado, apenas 800 casos confirmados, o país começou a retomar as atividades, inclusive as aulas, com medidas rígidas de prevenção.
A Costa Rica, localizada na América Central, também está entre os casos de sucesso no combate à Covid-19. O número de novos positivos chegou agora na casa dos mil casos. Assim como o Uruguai, não houve necessidade de quarentena obrigatória.
E, já que a população, por espontânea vontade, se colocou em isolamento, o governo flexibilizou algumas medidas. Por exemplo, os restaurantes permaneceram abertos, com metade da sua capacidade de atendimento. Além destes, cinemas e teatros já reabriram desde que adotadas as devidas medidas de segurança.
Em ambos os casos é necessário levar em consideração algumas características como os níveis elevados de escolaridade e renda da população. Não podemos nos esquecer também que os países não enfrentam, de forma simultânea, uma imensa crise política concomitante à pandemia.
Por estas e outras razões, seria apressado fazer comparações destes países com o Brasil – ou mesmo com o Maranhão. Ainda assim, observar os frutos do engajamento destes cidadãos em prol do bem-estar coletivo é algo que pode, sim, nos inspirar. Os cuidados com a higiene das mãos ou mesmo evitar festas e aglomerações são atitudes que não estão correlacionadas à escolaridade ou renda.
Por vezes nos esquecemos que existem direitos e deveres em toda concepção de cidadania. Entre as obrigações fundamentais de um indivíduo, destaca-se a de cumprir sua parte na construção de seu local de moradia. Seja mantendo a rua limpa, seja tendo atitudes que evitam o espalhamento da covid-19, nossa noção de civilidade sempre se revela de difícil compreensão. Nossa gente ainda parece entender que tudo aquilo que seria relacionado à manutenção e preservação do patrimônio urbano seria de competência exclusiva dos governos.
Daí a exigência da força estatal. Mais estado, mais polícia, mais barreiras, mais prisão. Se não for assim, não funciona. Fechem a Avenida Litorânea, fechem a Rua Grande, fechem a feira do Anjo da Guarda, fechem a feira da Cidade Operária, prendam os comerciantes do meu bairro. Estas foram algumas das centenas de mensagens que recebi esses dias. Só ainda não me pediram a prisão das pessoas em suas próprias casas. Falta pouco.
A tendência de nossa sociedade parece ser de busca da maior intervenção estatal como resposta imediata a todo tipo de adversidade, inclusive aquelas geradas pelas políticas do próprio Estado. Para a nossa sociedade, o Estado é causa e solução de todos os problemas. Ela mesmo não tem nenhuma responsabilidade sobre a nossa situação.
Não pode ser assim. Fomos acostumados a uma dependência excessiva do Estado, a uma insistência em receber desse Estado, patrimonialista e ineficiente, muito mais do que ele é capaz de oferecer. Enquanto eu sujo a rua e reclamo que ela está suja.
É preciso parar de esperar por um milagre sobrenatural. Vivemos ainda esperando que algum “herói sagrado”, ou um “salvador da pátria” desça do Olimpo e resolva os nossos problemas. Isso não acontecerá.
Por mais que seja eficiente o Estado, isso será de pouca valia se a própria população não contribuir para a construção de uma sociedade melhor. Não adianta jogar papel no chão e reclamar da rua suja. Não adianta reclamar do coronavírus e não respeitar medidas de isolamento. Nem a cloroquina, a ivermectina ou o lockdown apresentou maior eficácia contra o novo coronavírus do que a união de uma sociedade em prol do bem-estar comum.
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