O psicanalista, pensador e professor Agostinho Ramalho e o psicólogo e analista ministerial Eliandro Araújo foram os palestrantes do webinário “Saúde mental em tempos de pandemia”, promovido pela Escola Superior do Ministério Público do Maranhão (ESMP), na tarde desta quarta-feira, 7, de forma virtual. A atividade foi transmitida pelo canal do YouTube da ESMP.
Atuaram como mediadoras as promotoras de justiça Fernanda Maria Gonçalves de Carvalho e Cristiane Maia Lago, além da psicóloga Mary Lúcia Adler Ewerton. A promotora de justiça Ana Luiza Almeida Ferro, que integra a equipe da Escola Superior, realizou a abertura da atividade, representando a diretora da ESMP, Karla Adriana Holanda Farias Vieira.
Além de saudar e apresentar o currículo de todos os participantes, Ana Luiza Ferro enfatizou que o contexto atípico da pandemia ocasionou muitas mudanças e incertezas na vida de todas as pessoas, provocando medo e ansiedade. “A necessidade de isolamento e do distanciamento social prejudicam grande parte da população. As mudanças foram drásticas, muitos deixaram de conviver com seus familiares e perderam entes queridos. Percebe-se, por isso, um aumento significativo de transtornos mentais, resultado de angústia, sofrimento e dúvida”, afirmou, destacando o tema a ser abordado no encontro.
ANSIEDADE
A primeira apresentação da tarde foi a do psicólogo Eliandro Araújo cuja palestra abordou exclusivamente o tema da ansiedade. Ele explicou que todas as pessoas têm ansiedade e que o transtorno pode se transformar em uma doença quando sensações como medo, insegurança e estado permanente de alerta começam a aumentar e atrapalhar a rotina, impactando na saúde mental. “A ansiedade é uma característica humana. Não existe indivíduo que esteja livre dela. O que podemos fazer é reduzir os seus efeitos. Para isso, a pessoa deve estar atenta à intensidade da sensação”.
O psicólogo acrescentou que o Brasil já tem, desde 2017, o maior índice de pessoas com transtornos de ansiedade: 19 milhões de indivíduos, conforme levantamento da Organização Mundial de Saúde (OMS). “Esta situação se intensificou com a pandemia, por conta do isolamento social, medo do contágio e a perda de pessoas da família”, ressaltou.
O palestrante também alertou que o distanciamento social levou as pessoas a interagir mais nas redes sociais, reproduzindo comportamentos ansiosos na internet, na utilização das ferramentas. “Recentemente eu vi um estudo da PUC do Rio Grande do Sul, cujo resultado apontou que os aplicativos que geram um contato entre as pessoas têm um efeito positivo na saúde mental. Já as redes sociais, como Facebook e Instagram, por exemplo, têm impacto negativo”.
Eliandro Araújo explicou ainda que, no universo da psicologia, existem diversas teorias e métodos que podem tratar a ansiedade, incluindo o modelo da terapia cognitiva comportamental que é o utilizado por ele com os pacientes. O terapeuta acrescentou que o excesso de ansiedade gera sensações físicas como palpitação, dor no peito e falta de ar. “Não tem nada a ver com insanidade. A pessoa tem um aumento de sensações que impactam em várias áreas físicas e mentais”.
PSICANÁLISE
No início de sua exposição, o psicanalista Agostinho Ramalho destacou que iria substituir o tema da saúde mental por sofrimento psíquico, porque saúde mental não é um conceito abordado pela psicanálise. “Falar de saúde mental remete implicitamente a uma concepção de normalidade e a psicanálise não trabalha com este conceito. Aborda as estruturas clínicas, já apontadas por Freud e especificadas por Lacan, como neuroses, psicoses e perversões”.
Esclarecendo o campo teórico e clínico da psicanálise, o professor apontou que a fala da pessoa é unicamente a matéria de trabalho da terapia. “Foi uma verdadeira revolução que Freud operou na história das práticas terapêuticas. Tomar o discurso do paciente como a matéria da psicanálise”, disse.
Mas Agostinho Ramalho acrescentou que não se trata de qualquer fala, tem que ser uma fala associativa, quando há sobreposição espontânea de pensamentos. “A fala se dirige à escuta do analista e o paciente não tem que dar começo, meio e fim ao que está dizendo. Pelo contrário”.
E completou: “Assim como a fala do paciente não é qualquer fala, a escuta do analista também não é qualquer escuta, o que Freud chamou de atenção flutuante, quando a escuta está direcionada aos lapsos, tropeços, atos falhos, esquecimentos e sonhos. O psicanalista faz marcações no discurso do paciente, chegando ao inconsciente do indivíduo. Alguma verdade inconsciente pode se presentificar em um lapso”.
O palestrante também ressaltou que o sofrimento é inerente à condição humana. “O paciente traz sempre uma queixa em relação a alguma coisa que o incomoda. Alguma angústia, alguma compulsão, alguma ideia obsessiva, cujos efeitos ele sente, mas desconhece as causas, justamente porque são inconscientes”.
Sobre a diferença de angústia e medo, ele apontou que a angústia não tem objeto, não tem causa aparente. O medo tem objeto. “O sujeito tem medo de escuro, por exemplo”.
Em seguida, explicou que a angústia tem duplo efeito. Pode paralisar o indivíduo ou pode impulsioná-lo. “Não há ato criativo sem angústia. Os poetas, os pintores os artistas, os intelectuais, todos os que criam alguma coisa em qualquer campo de atividade humana, são movidos em parte por angústia. Onde há uma dimensão de criação, há uma dimensão de angústia”.
NECROPOLÍTICA
Sobre a situação de agravamento da pandemia no Brasil, o terapeuta declarou: “Na verdade, as vidas perdidas nesta terrível pandemia no Brasil, com uma média diária superior a três mil mortes, não se trata de números, são pessoas, entes queridos, que têm nome, rosto, afetos, família, sensibilidades. Que deixam saudades, marcas de tristeza”.
Ele acrescentou que o Brasil vive não somente uma pandemia virótica, mas também uma pandemia de obscurantismo, sendo imposta uma moral retrógrada, medieval. “Vivemos uma época em que a ignorância se impõe como virtude, um período de negação do pensamento, da inteligência e da ciência. Uma ignorância narcisista, orgulhosa de si, terraplanista”.
Também destacou que o Brasil vive uma pandemia de autoritarismo, neofascista, que está encarnada no atual governo. “A ideia é não apenas negar o vírus, mas aliar-se a ele. Há todo um conjunto de declarações, de deboches, de falta de empatia com as vítimas, com seus sofrimentos e de suas famílias”.
A respeito das consequências do negacionismo, o palestrante completou: “Então, em grande parte nós vivemos o pleno exercício de uma necropolítica, onde muitas das milhares de mortes poderiam ter sido evitadas e não foram por políticas deliberadas, quando foi negada a gravidade da doença e da efetividade das vacinas”, concluiu.
O debate continuou com as intervenções das promotoras de justiça Fernanda Maria Gonçalves de Carvalho e Cristiane Maia Lago, além da psicóloga Mary Lúcia Adler Ewerton, que atuaram como moderadoras.
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