Os céticos duvidam, mas eu nunca duvidei que gestos feitos com compaixão podem curar. Irmã Dulce soube disso muito antes de mim, de você e ensinou a todos nós. A agora Santa nascida no Brasil descobriu esse dom ainda criança. Estender suas mãos infantis trouxe centenas à vida. Doentes, mendigos, excluídos sociais foram alcançados por gestos de afeto, alimento para o corpo e alma, remédio para o coração desiludido com a humanidade.
Com apenas 25 anos, a freira iniciou a missão de resgatar doentes das ruas. Sem ter onde abrigá-los, alguns anos depois, transformou o galinheiro do Convento de Santo Antônio em albergue. Mais tarde, o local deu origem ao Hospital Santo Antônio – um complexo que reúne, até hoje, saúde, educação e atividades sociais. Quando todos diziam ser uma loucura tentar cuidar de tantos com tão pouco, ela foi lá e conseguiu.
Ela fez isso numa época em que a filantropia não era moda. Não havia rede social para mobilizar colaboradores. Sequer havia algo parecido com publicidade para atrair voluntários. O esforço advinha de poucas e dedicadas pessoas. Ainda assim, irmã Dulce tem seu nome engrandecido por seu legado de obras sociais e sua enorme contribuição no âmbito da saúde.
O exemplo da Santa não está muito distante de nós. Um jovem católico, envolvido em ações de cuidado, recreação e bem-estar para pacientes do Hospital Aldenora Bello, dedicou-se ao acolhimento de dezenas de famílias do interior do Estado, que não tinham onde ficar durante o acompanhamento dos parentes em tratamento recebido na capital.
Sim, falo aqui de outra louvável história de vida, a vida do Antonio Brunno. Ele foi o responsável por sonhar e criar o projeto que garantiu o nascimento da Fundação Antonio Brunno. E tão rápido quanto amou e acolheu cada pessoa, Brunno também foi diagnosticado com câncer e muito jovem faleceu.
A história do Brunno também nos comove e inspira, mas, sem dúvida, toda essa compaixão ao próximo alcançou primeiro aqueles que estavam dentro de casa. A Fundação Antonio Brunno é hoje gerenciada pela família do jovem, que se dedica 24 horas por dia aos seus acolhidos. Tenho enorme orgulho de poder conhecer Seu Antônio e Dona Fátima, pais do Antonio Brunno, exemplos de dedicação, cuidado, carinho e amor ao próximo.
A Fundação não serve como uma simples casa de apoio, localizada no bairro da Cohab. É também ação social, ajuda psicológica, é praticamente uma família - tem até festejo de aniversários dos “moradores” e passeios com direito a sessão de cinema. Ali, os laços se fortalecem e permitem lutar com mais afinco contra a doença.
A Fundação, sem dúvida, não é um negócio, mas uma missão em família. Um sacrifício de amor, onde são indispensáveis honra e louvores. Simplicidade, dedicação e abnegação. Num mundo em que todos querem levar vantagem em tudo, a Fundação Antonio Brunno, que recebe hoje uma pequena ajuda da Secretaria de Saúde, faz questão de colocar em sua prestação de contas até a quantidade de pães que compra todos os meses. O resultado nunca dá certo: sempre olho para os números e sei que é impossível fazer tanto recebendo tão pouco. O milagre da multiplicação dos pães e dos peixes não está só numa passagem bíblica, mas no exemplo cotidiano de quem cuida do mundo inteiro com o mínimo de recursos. Recebi esta semana o convite para a inauguração da nova sede da fundação, que lhes vai permitir ajudar ainda mais pessoas, e não pude conter minhas lágrimas: estava vendo em minha frente algo realmente especial.
Como irmã Dulce, outros brasileiros - famosos e anônimos - têm sido fonte de inspiração para um país carente de gestos de efetiva solidariedade ao outro. Por isso os recursos do SUS também chegam a essas entidades, por reconhecer a eficácia do serviço e atendimento aos pacientes.
Por causa da fé, a freira baiana foi canonizada há poucos dias, mas o seu legado para nós é fruto primeiro da sua compaixão prática. Não à toa, o papa João Paulo II disse à irmã, em 1980: “continue, irmã Dulce, continue”.
A todos que praticam saúde por amor, a todos que não permitiram que sua alma fosse corrompida pela falsa ilusão das posses, a todos que se doem com as injustiças cotidianas, a todos que fazem pães e peixes se multiplicarem todos os dias, a todos que fazem da compaixão um ato de cura, eu peço permissão para repetir as mesmas palavras do papa: “continuem, meus irmãos, continuem”.
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