terça-feira, 22 de outubro de 2019

Santa Dulce dos Pobres, por Carlos Lula


Os céticos duvidam, mas eu nunca duvidei que gestos feitos com compaixão podem curar. Irmã Dulce soube disso muito antes de mim, de você e ensinou a todos nós. A agora Santa nascida no Brasil descobriu esse dom ainda criança. Estender suas mãos infantis trouxe centenas à vida. Doentes, mendigos, excluídos sociais foram alcançados por gestos de afeto, alimento para o corpo e alma, remédio para o coração desiludido com a humanidade.

Com apenas 25 anos, a freira iniciou a missão de resgatar doentes das ruas. Sem ter onde abrigá-los, alguns anos depois, transformou o galinheiro do Convento de Santo Antônio em albergue. Mais tarde, o local deu origem ao Hospital Santo Antônio – um complexo que reúne, até hoje, saúde, educação e atividades sociais. Quando todos diziam ser uma loucura tentar cuidar de tantos com tão pouco, ela foi lá e conseguiu.

Ela fez isso numa época em que a filantropia não era moda. Não havia rede social para mobilizar colaboradores. Sequer havia algo parecido com publicidade para atrair voluntários. O esforço advinha de poucas e dedicadas pessoas. Ainda assim, irmã Dulce tem seu nome engrandecido por seu legado de obras sociais e sua enorme contribuição no âmbito da saúde.


O exemplo da Santa não está muito distante de nós. Um jovem católico, envolvido em ações de cuidado, recreação e bem-estar para pacientes do Hospital Aldenora Bello, dedicou-se ao acolhimento de dezenas de famílias do interior do Estado, que não tinham onde ficar durante o acompanhamento dos parentes em tratamento recebido na capital.


Sim, falo aqui de outra louvável história de vida, a vida do Antonio Brunno. Ele foi o responsável por sonhar e criar o projeto que garantiu o nascimento da Fundação Antonio Brunno. E tão rápido quanto amou e acolheu cada pessoa, Brunno também foi diagnosticado com câncer e muito jovem faleceu.

A história do Brunno também nos comove e inspira, mas, sem dúvida, toda essa compaixão ao próximo alcançou primeiro aqueles que estavam dentro de casa. A Fundação Antonio Brunno é hoje gerenciada pela família do jovem, que se dedica 24 horas por dia aos seus acolhidos. Tenho enorme orgulho de poder conhecer Seu Antônio e Dona Fátima, pais do Antonio Brunno, exemplos de dedicação, cuidado, carinho e amor ao próximo.

A Fundação não serve como uma simples casa de apoio, localizada no bairro da Cohab. É também ação social, ajuda psicológica, é praticamente uma família - tem até festejo de aniversários dos “moradores” e passeios com direito a sessão de cinema. Ali, os laços se fortalecem e permitem lutar com mais afinco contra a doença.

A Fundação, sem dúvida, não é um negócio, mas uma missão em família. Um sacrifício de amor, onde são indispensáveis honra e louvores. Simplicidade, dedicação e abnegação. Num mundo em que todos querem levar vantagem em tudo, a Fundação Antonio Brunno, que recebe hoje uma pequena ajuda da Secretaria de Saúde, faz questão de colocar em sua prestação de contas até a quantidade de pães que compra todos os meses. O resultado nunca dá certo: sempre olho para os números e sei que é impossível fazer tanto recebendo tão pouco. O milagre da multiplicação dos pães e dos peixes não está só numa passagem bíblica, mas no exemplo cotidiano de quem cuida do mundo inteiro com o mínimo de recursos. Recebi esta semana o convite para a inauguração da nova sede da fundação, que lhes vai permitir ajudar ainda mais pessoas, e não pude conter minhas lágrimas: estava vendo em minha frente algo realmente especial.

Como irmã Dulce, outros brasileiros - famosos e anônimos - têm sido fonte de inspiração para um país carente de gestos de efetiva solidariedade ao outro. Por isso os recursos do SUS também chegam a essas entidades, por reconhecer a eficácia do serviço e atendimento aos pacientes.

Por causa da fé, a freira baiana foi canonizada há poucos dias, mas o seu legado para nós é fruto primeiro da sua compaixão prática. Não à toa, o papa João Paulo II disse à irmã, em 1980: “continue, irmã Dulce, continue”.

A todos que praticam saúde por amor, a todos que não permitiram que sua alma fosse corrompida pela falsa ilusão das posses, a todos que se doem com as injustiças cotidianas, a todos que fazem pães e peixes se multiplicarem todos os dias, a todos que fazem da compaixão um ato de cura, eu peço permissão para repetir as mesmas palavras do papa: “continuem, meus irmãos, continuem”.

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