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Foto Reprodução |
• Foram ao menos 623.439 pessoas assassinadas no Brasil entre 2009 e 2019. Destas, 333.330 eram adolescentes e jovens
• Crescimento de 35,2% das mortes violentas por causa indeterminada pode ter impacto sobre os 45.503 homicídios registrados no país em 2019
• 50.056 mulheres foram assassinadas entre 2009 e 2019. Taxa de mulheres mortas dentro das residências cresceu 6,1%, e fora das residências caiu 28,1%, o que indica aumento da violência doméstica
• Os negros representaram 77,1% das vítimas de homicídios no período
• Atlas da Violência 2021 traz duas novidades: a que trata da violência letal contra pessoas indígenas e notificações de violência por pessoas com deficiência (PcD)
• No caso dos indígenas, a taxa de homicídios ao longo da década cresceu 21,6%, ao contrário do que ocorreu com a população brasileira
• Nos últimos 11 anos, 2.074 indígenas foram assassinados no país
• 7.613 notificações de violência contra pessoas com deficiência. Casos são mais frequentes na faixa etária de 10 a 19 e entre mulheres. 58,4% dos casos foram episódios de violência doméstica.
Entre os anos de 2009 e 2019, 623.439 pessoas foram vítimas de homicídio no Brasil, 333.330 vítimas, ou 53% deste total, eram adolescentes e jovens. Os dados constam da edição 2021 do Atlas da Violência, publicação elaborada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN). Os números apresentados pela publicação foram obtidos principalmente a partir da análise dos dados do Sistema de Informações sobre a Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informações de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde, num período anterior à pandemia de Covid-19. Neste ano, o Atlas também traz novas seções com dados sobre violência contra indígenas e contra pessoas com deficiência (PCDs).
Outro dado que chamou a atenção foi o aumento de 35% das mortes violentas por causa indeterminada entre 2018 e 2019, o que pode se refletir em uma subnotificação dos 45.503 homicídios registrados no país no período. A categoria estatística MVCI é utilizada para os casos em que não é possível estabelecer a causa básica do óbito, ou a motivação que o gerou, como sendo resultante de lesão autoprovocada (suicídio), de acidente ou de agressão por terceiros ou por intervenção legal (homicídios).
Violência contra povos indígenas em alta
Segundo os dados levantados pelo Atlas, a violência letal contra os povos indígenas recrudesceu nessa última década. Nos 11 anos entre 2009 a 2019, em números absolutos, houve 2.074 homicídios de pessoas indígenas, segundo os dados do SIM.
As taxas de homicídios indígenas aumentaram na última década, ao contrário da taxa brasileira. A taxa de homicídio para o Brasil era de 27,2/100 mil em 2009, atingindo seu pico em 2017, com 31,6/100 mil, e decaindo nos dois anos seguintes. A taxa de homicídio para os indígenas saiu de 15/100 mil em 2009, se elevando a 24,9 em 2017 e, mesmo reduzindo, manteve-se em 2019 (18,3/100 mil) acima da taxa de 2011 (14,9/100 mil).
Violência contra pessoas com deficiência
Outra novidade do Atlas da Violência 2021 é a violência contra pessoas com deficiência, um tema ainda pouco estudado no Brasil. Em 2019, foram registrados 7.613 casos de violências contra pessoas com deficiência no sistema Viva-Sinan. Esses números consideram as pessoas que apresentavam pelo menos um dos quatro tipos de deficiência - física, intelectual, visual ou auditiva.
Foram encontradas taxas muito elevadas de notificações de violências contra pessoas com deficiência intelectual (36,2 notificações para cada 10 mil pessoas com deficiência intelectual), sobretudo mulheres, quando comparadas à população com outros tipos de deficiência. Essa sobretaxa está associada em alguma medida às notificações de casos de violência sexual. As taxas de notificações de violências contra as mulheres são mais de duas vezes superiores às de homens, exceto quando a vítima é pessoa com deficiência visual, quando a superioridade é inferior a 25%.
Em 2019, a violência doméstica representava mais de 58% das notificações de violência contra pessoas com deficiência, seguida por violência comunitária (24%). Em termos de sexo, a violência doméstica é ainda maior para as mulheres (61%), enquanto para os homens a violência comunitária é um pouco maior (26%).
Quanto à faixa etária, de forma geral, a maior concentração de notificações é para vítimas de 10 a 19 anos, caindo mais ou menos gradativamente conforme aumenta a idade. Chama atenção que há mais casos notificados de violência contra mulheres (4.540) do que contra homens (2.572), exceto na faixa de 0 a 9 anos (293 contra 332).
Já em relação aos tipos de violência, a negligência/abandono, presente em 29% dos casos, se concentra entre crianças de 0 a 9 anos (52%) e entre idosos (73% entre pessoas com 80 anos ou mais). Aqui é preciso chamar a atenção também para as maiores dificuldades das famílias em prover cuidados para as pessoas com deficiência.
Análises sobre os números indicam haver forte correlação entre violência e deficiência, seja pela contribuição da violência para a ocorrência de deficiência, seja pelo fato de pessoas com deficiência estarem mais expostas a sofrer violência. Esta edição do Atlas da Violência envolveu um esforço adicional para abordar este campo, ainda que reconhecendo as mudanças recentes no conceito de deficiência e os limites das estatísticas sobre o tema no Brasil.
A primeira base de dados provém do Sinan, que incorpora o esforço do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva), do Ministério da Saúde. O Viva-Sinan tem expandido sua cobertura, passando de 38% dos municípios do país com registros de violência no sistema em 2011 para 79,2%, em 2019. No caso das notificações de violências interpessoais contra pessoas com deficiência, os registros passaram de 3 mil para 7,6 mil casos no mesmo período. Ainda assim, uma parte dos estados, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste, apresenta níveis elevados de subnotificação.
Perfis com séries históricas
Nesta edição do Atlas da Violência, foi dada continuidade às séries históricas que acompanham os índices de violência contra pessoas negras, mulheres, população LGBTQI+ e a juventude.
A desigualdade racial se reflete nos indicadores sociais da violência ao longo do tempo e não dá sinais de melhora, mesmo quando os números gerais apresentam queda. Em 2019, os negros (soma de pretos e pardos na classificação do IBGE) representaram 77% das vítimas de homicídios, com uma taxa de 29,2 por 100 mil habitantes. Entre os não negros (soma dos amarelos, brancos e indígenas), a taxa foi de 11,2 para cada 100 mil, o que significa que o risco de um negro ser assassinado é 2,6 vezes superior ao de uma pessoa não negra.
Na análise dos dados da última década, vemos que a redução dos homicídios ocorrida no país esteve muito mais concentrada entre a população não negra do que entre a negra. Entre 2009 e 2019, o número de negros vítimas de homicídio cresceu 1,6%, passando de 33.929 vítimas em 2009 para 34.466 em 2019. Já as vítimas não negras passaram de 15.249 em 2009 para 10.217 em 2019, redução de 33%.
Em relação aos homicídios femininos, o Atlas da Violência mostra que 50.056 mulheres foram assassinadas entre 2019 e 2019. Neste período, o total de mulheres negras mortas cresceu 2%, ao passo que o número de mulheres não negras mortas caiu 26,9%. A publicação chama ainda atenção para uma mudança na distribuição dos homicídios femininos: enquanto a taxa de homicídios de mulheres dentro das residências cresceu 6,1%, a taxa de mulheres mortas fora das residências caiu 28,1%.
Quanto à violência sofrida pela população LGBTQI+, o Atlas da Violência já havia apontado no ano passado para a necessidade urgente de produção e publicização de dados e indicadores a respeito. A urgência não diminuiu, uma vez que o recenseamento que seria realizado este ano não traria perguntas relativas à identidade de gênero e orientação sexual. Paralelamente, não se identificaram iniciativas para melhorar a qualidade e a especificidade dos dados produzidos pelas pastas da Saúde e dos Direitos Humanos, ou de se começar a produzi-los no caso da Segurança Pública.
Entre as fontes de dados disponíveis, destaca-se a do Disque 100, que registra denúncias contra pessoas LGBTQI+. Na análise da série histórica, destaca-se o ano de 2012, quando o sistema registrou 3.031 denúncias, e o de 2019, que apresentou redução expressiva e fechou com 833 denúncias, redução de 50% face a 2018.
Os dados coletados pelo Sinan, no entanto, não acompanham essa redução de notificações em 2019, indicando que os dados do Disque 100 estão provavelmente subestimados. Os motivos podem ser inúmeros, incluindo a falta de confiança no equipamento gerido pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, até a falta de prioridade política e financeira dada ao tema pelo órgão.
Os números de notificações de violências registrados pelo Sinan entre 2018 e 2019, na variável orientação sexual, contra homossexuais e bissexuais, apresentam um crescimento de 9,8%, passando de 4.855 registros em 2018 para 5.330 no ano seguinte. Os números de violência contra pessoas trans e travestis também cresceram, passando de 3.758 notificações para 3.967 episódios em 2019, aumento de 5,6% dos casos de violência física.
Juventude
No período de onze anos 333.330 adolescentes e jovens foram assassinados no país, representando 53% de todas as vítimas de homicídio do período.
Armas de fogo
Entre 2009 e 2019, 439.160 pessoas foram assassinadas por arma de fogo, o que corresponde a 70% de todos os homicídios do período. Os números são escandalosos e remetem a contextos de guerra: desde 2009, todos os dias 109 pessoas foram assassinadas a tiros no Brasil.
Em 2019, o Brasil registrou 14,7 assassinatos por armas de fogo por 100 mil habitantes, com taxas de 16 estados acima da média nacional. A maior ocorreu no Rio Grande do Norte: 33,7 homicídios por 100 mil pessoas. Na sequência se destacaram, com as mais elevadas taxas: Sergipe (33,5), Bahia (30,9), Pernambuco (28,4) e Pará (27,2). As menores taxas foram registradas em Minas Gerais (8,9), no Distrito Federal (8,5), no Mato Grosso do Sul (7,8), em Santa Catarina (5,3) e em São Paulo (3,8).
Em 2009, do total de homicídios que aconteceram no país 71,2% foram praticados com o emprego de armas de fogo. Em 2019, esse percentual caiu para 67,7%. Já em 2019 11 UFs apresentaram percentuais de assassinatos cometidos com uso de armas de fogo acima da média nacional, com destaque para: Rio Grande do Norte (87,7%), Sergipe (79,2%), Ceará (78,6%), Pernambuco (78,1%) e Paraíba (75,8%). Os menores percentuais foram constatados no Distrito Federal (53,5%), em São Paulo (51,8%), em Santa Catarina (49,7%), no Mato Grosso do Sul (44,0%) e em Roraima (35,5%).