A medida é a concretização de uma série de declarações feitas por
Bolsonaro ao longo da campanha. O capitão já havia se comprometido a barrar a demarcação
de novas terras. Segundo dados da Funai, atualmente existem 128
processos de demarcação em andamento envolvendo terras que abrigam mais
de 120.000 indígenas de diversas etnias. Até então, cabia à entidade
receber as demandas das etnias e realizar os estudos antropológicos e
geográficos que fundamentam a identificação e a delimitação do
território tradicional. "Temos uma área mais que a região Sudeste
demarcada como terra indígena. E qual a segurança para o campo? Um
fazendeiro não pode acordar hoje e, de repente, tomar conhecimento, via
portaria, que ele vai perder sua fazenda para uma nova terra indígena",
afirmou o presidente eleito em dezembro.
A ex-candidata a vice na chapa do PSOL, a liderança indígena Sonia Guajajara
usou o twitter para criticar a medida. "O desmanche já começou. A Funai
não é mais responsável pela identificação, delimitação, demarcação e
registro de Terras Indígenas. Saiu hoje no Diário Oficial da União.
Alguém ainda tem dúvidas das promessas de exclusão da campanha??",
escreveu.
Além de cessar os processos de demarcação já em
andamento, Bolsonaro ameaçou também rever algumas terras indígenas já
demarcadas, como a Raposa Serra do Sol, em Roraima, que abriga cerca de
20.000 indígenas. A área foi homologada em 2005, e em 2009 o Supremo Tribunal Federal
confirmou a decisão do então presidente Lula. No entanto a região conta
com terras férteis e abriga reservas minerais estratégicas, como de
nióbio e urânio, o que desperta o interesse do agronegócio e de
mineradoras. “É a área mais rica do mundo. Você tem como explorar de
forma racional, e no lado dos índios dando royalties e integrando o
índio à sociedade”, disse Bolsonaro.
Para juristas, no entanto, a
revisão proposta por Bolsonaro seria inconstitucional. “A decisão
transitou em julgado. Foi uma decisão histórica. Para os índios, é
direito adquirido. Depois que o Estado paga uma dívida histórica,
civilizatória, ele não pode mais estornar o pagamento e voltar a ser
devedor”, disse o ex-ministro do STF Ayres Britto ao jornal O Globo.
Mas não são apenas os povos tradicionais que veem seus direitos
ameaçados. Desde o início da campanha o discurso do capitão foi marcado
por uma forte retórica de desregulamentação de áreas protegidas, criação
de freios para agentes fiscalizadores e desburocratização da concessão
de licenças ambientais. Estes acenos aos ruralistas já haviam começado a
tomar forma com a indicação de ministros ligados ao agronegócio.
Os gestos de aproximação com deputados e senadores ligados ao negócio da soja e à agropecuária
- justamente os dois maiores responsáveis pelo desmatamento no Brasil,
em conjunto com as madeireiras - fica evidente na escolha do primeiro
escalão do futuro Governo. A ministra da agricultura, Tereza Cristina da
Costa (DEM), por exemplo ganhou o apelido de "musa do veneno"
por ter comandado uma comissão parlamentar que aprovou regras que
flexibilizam o registro e a utilização de agrotóxicos no país (a matéria
ainda será votada no plenário). Segundo o relatório aprovado por ela, o
uso de pesticidas deve ser liberado pelo Ministério da Agricultura
mesmo que órgãos e agentes reguladores como a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária, por exemplo, não tenham dado seu parecer quanto à
segurança dos químicos.
Outro ministério-chave para a preservação dos recursos naturais, o do Meio Ambiente, ficará sob a batuta de Ricardo de Aquino Salles, condenado em dezembro
por improbidade administrativa. Segundo o Ministério Público, quando
estava à frente da Secretaria do Meio Ambiente do Governo de Geraldo Alckmin
(PSDB), em São Paulo, entre 2016 e 2017, ele teria alterado o plano de
gestão de uma área de proteção ambiental de modo a favorecer empresas
privadas. Salles nega qualquer irregularidade, e afirmou e nota que "não
houve vantagem pessoal, nem dano ambiental e desenvolvimento
econômico". Ainda cabe recurso da sentença.
Um dos principais
órgãos de fiscalização ambiental, o Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), subordinado à pasta
que será comandada por Salles, também não deve ter vida fácil no novo
Governo. No início de dezembro Bolsonaro criticou uma suposta "indústria
da multagem (sic)" por parte do Instituto. "Sou defensor do meio
ambiente, mas dessa forma xiita, como acontece, não. Não vou admitir
mais Ibama sair multando a torto e a direito por aí, bem como ICMBio
[Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade]", afirmou.
"Essa festa vai acabar", concluiu o presidente eleito. Em tempo, ele
afirmou ter sido ele mesmo alvo de uma multa no valor de 10.000 reais
por algo que ocorreu "numa hora e dia onde eu tinha botado o dedo no
painel de votação em Brasília".
O
presidente eleito também faz reiteradas críticas a uma suposta
burocracia ligada à concessão de licenças ambientais. “Quando se fala em
licença ambiental, e [a pessoa] é obrigado a derrubar uma árvore que
está ameaçando cair: é uma dificuldade para conseguir essa licença. E
toma multa caso derrube essa árvore sem a devida autorização para tal”.
Na visão do capitão isso “atrapalha quando um prefeito, governador,
presidente, quer fazer uma obra de infraestrutura, uma estrada, por
exemplo”. Por fim, Bolsonaro apontou onde esse “problema” costuma se
manifestar: “Isso acontece muito na região amazônica”.
Ameaça ao comércio com União Europeia
A
postura de Bolsonaro com relação às questões ambientais provocou
reações mais duras por parte de líderes da comunidade internacional. Em
setembro, ainda durante a campanha, ele anunciou que caso eleito iria
retirar o país do Acordo de Paris,
que inclui uma série de medidas para minimizar os impactos do
aquecimento global. O Acordo foi firmado em 2015, e tem o Brasil como
signatário. Em outubro ele voltou atrás, mas não bastou para acalmar o
presidente francês Emmanuel Macron,
que afirmou que "a França não apoiará acordo com quem não respeita o
Acordo de Paris”, sinalizando que as já letárgicas negociações entre a
União Europeia e o Mercosul
podem desandar caso o capitão não se comprometa com o texto assinado.
Por sua vez, Bolsonaro disse que "sujeitar automaticamente nosso
território, leis e soberania a colocações de outras nações é algo que
está fora de cogitação".
A chanceler alemã Angela Merkel
fez coro às declarações de Macron: "O tempo está se esgotando para um o
acordo entre União Europeia e Mercosul. Deveria acontecer bem rápido,
caso contrário, com o novo governo do Brasil, seguramente, não vai ser
fácil". A poeira da polêmica envolvendo os líderes europeus e o capitão
ainda não havia assentado quando ele afirmou que o Brasil não sediará a
conferência climática da Organização das Nações Unidas em 2019, a COP
25. Em sua conta no twitter o presidente eleito afirmou que a decisão
teve como base o corte de custos: "Abrimos mão de sediar a Conferência
Climática Mundial da ONU pois custaria mais de 500 milhões de reais ao
Brasil e seria realizada em breve, o que poderia constranger o futuro
Governo a adotar posições que requerem um tempo maior de análise e
estudo".
A ameaça de retirar o Brasil do Acordo de Paris rendeu a
Bolsonaro o Prêmio Fóssil do Dia, concedido por uma rede de ONGs que
acompanham as negociações da conferência climática. A honraria irônica é
oferecida para nações que se esforçam para travar ações em prol do meio
ambiente. Por fim, diversas entidades conservacionistas com sede nos
Estados Unidos, dentre elas a Amazon Watch,
divulgaram uma carta aberta criticando as políticas de Bolsonaro para o
meio ambiente. “Se implementadas, podem infligir danos de amplo alcance
e duradouros a comunidades brasileiras e ao meio ambiente.”
“Não tem mais demarcação de terra indígena”
Soma-se às declarações de Bolsonaro sobre terras indígenas a indicação da pastora evangélica Damares Alves para comandar a pasta das Mulheres, da Família e dos Direitos Humanos, agora com novo redesenho ministerial. Com isso a Funai, – agora sem o poder de demarcar terras —, que antes ficava sob controle do Ministério da Justiça, ficará subordinado a Alves.
O
ex-presidente da Funai no governo Temer, Antônio Costa afirmou ao
repórter Ricardo Della Colleta em dezembro que a transferência do órgão
federal para o novo ministério deve criar um grande vazio de direitos
adquiridos pelos indígenas e inflamar ainda mais os conflitos no campo.
Costa se demitiu por conta de pressões da bancada ruralista do Congresso
quatro meses após assumir o cargo. "Os deputados ruralistas com quem
conversei são sensíveis à sustentabilidade dos povos. O que falta é
diálogo com os segmentos e parar de colocar os índios e as demarcações
como entraves para o desenvolvimento", afirmou.
Os gestos de aproximação com deputados e senadores ligados ao negócio da soja e à agropecuária
- justamente os dois maiores responsáveis pelo desmatamento no Brasil,
em conjunto com as madeireiras - fica evidente na escolha do primeiro
escalão do futuro Governo. A ministra da agricultura, Tereza Cristina da
Costa (DEM), por exemplo ganhou o apelido de "musa do veneno"
por ter comandado uma comissão parlamentar que aprovou regras que
flexibilizam o registro e a utilização de agrotóxicos no país (a matéria
ainda será votada no plenário). Segundo o relatório aprovado por ela, o
uso de pesticidas deve ser liberado pelo Ministério da Agricultura
mesmo que órgãos e agentes reguladores como a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária, por exemplo, não tenham dado seu parecer quanto à
segurança dos químicos.
Outro ministério-chave para a preservação dos recursos naturais, o do Meio Ambiente, ficará sob a batuta de Ricardo de Aquino Salles, condenado em dezembro
por improbidade administrativa. Segundo o Ministério Público, quando
estava à frente da Secretaria do Meio Ambiente do Governo de Geraldo Alckmin
(PSDB), em São Paulo, entre 2016 e 2017, ele teria alterado o plano de
gestão de uma área de proteção ambiental de modo a favorecer empresas
privadas. Salles nega qualquer irregularidade, e afirmou e nota que "não
houve vantagem pessoal, nem dano ambiental e desenvolvimento
econômico". Ainda cabe recurso da sentença.
Um dos principais
órgãos de fiscalização ambiental, o Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), subordinado à pasta
que será comandada por Salles, também não deve ter vida fácil no novo
Governo. No início de dezembro Bolsonaro criticou uma suposta "indústria
da multagem (sic)" por parte do Instituto. "Sou defensor do meio
ambiente, mas dessa forma xiita, como acontece, não. Não vou admitir
mais Ibama sair multando a torto e a direito por aí, bem como ICMBio
[Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade]", afirmou.
"Essa festa vai acabar", concluiu o presidente eleito. Em tempo, ele
afirmou ter sido ele mesmo alvo de uma multa no valor de 10.000 reais
por algo que ocorreu "numa hora e dia onde eu tinha botado o dedo no
painel de votação em Brasília".
O
presidente eleito também faz reiteradas críticas a uma suposta
burocracia ligada à concessão de licenças ambientais. “Quando se fala em
licença ambiental, e [a pessoa] é obrigado a derrubar uma árvore que
está ameaçando cair: é uma dificuldade para conseguir essa licença. E
toma multa caso derrube essa árvore sem a devida autorização para tal”.
Na visão do capitão isso “atrapalha quando um prefeito, governador,
presidente, quer fazer uma obra de infraestrutura, uma estrada, por
exemplo”. Por fim, Bolsonaro apontou onde esse “problema” costuma se
manifestar: “Isso acontece muito na região amazônica”.
Ameaça ao comércio com União Europeia
A
postura de Bolsonaro com relação às questões ambientais provocou
reações mais duras por parte de líderes da comunidade internacional. Em
setembro, ainda durante a campanha, ele anunciou que caso eleito iria
retirar o país do Acordo de Paris,
que inclui uma série de medidas para minimizar os impactos do
aquecimento global. O Acordo foi firmado em 2015, e tem o Brasil como
signatário. Em outubro ele voltou atrás, mas não bastou para acalmar o
presidente francês Emmanuel Macron,
que afirmou que "a França não apoiará acordo com quem não respeita o
Acordo de Paris”, sinalizando que as já letárgicas negociações entre a
União Europeia e o Mercosul
podem desandar caso o capitão não se comprometa com o texto assinado.
Por sua vez, Bolsonaro disse que "sujeitar automaticamente nosso
território, leis e soberania a colocações de outras nações é algo que
está fora de cogitação".
A chanceler alemã Angela Merkel
fez coro às declarações de Macron: "O tempo está se esgotando para um o
acordo entre União Europeia e Mercosul. Deveria acontecer bem rápido,
caso contrário, com o novo governo do Brasil, seguramente, não vai ser
fácil". A poeira da polêmica envolvendo os líderes europeus e o capitão
ainda não havia assentado quando ele afirmou que o Brasil não sediará a
conferência climática da Organização das Nações Unidas em 2019, a COP
25. Em sua conta no twitter o presidente eleito afirmou que a decisão
teve como base o corte de custos: "Abrimos mão de sediar a Conferência
Climática Mundial da ONU pois custaria mais de 500 milhões de reais ao
Brasil e seria realizada em breve, o que poderia constranger o futuro
Governo a adotar posições que requerem um tempo maior de análise e
estudo".
A ameaça de retirar o Brasil do Acordo de Paris rendeu a
Bolsonaro o Prêmio Fóssil do Dia, concedido por uma rede de ONGs que
acompanham as negociações da conferência climática. A honraria irônica é
oferecida para nações que se esforçam para travar ações em prol do meio
ambiente. Por fim, diversas entidades conservacionistas com sede nos
Estados Unidos, dentre elas a Amazon Watch,
divulgaram uma carta aberta criticando as políticas de Bolsonaro para o
meio ambiente. “Se implementadas, podem infligir danos de amplo alcance
e duradouros a comunidades brasileiras e ao meio ambiente.”
“Não tem mais demarcação de terra indígena”
Soma-se às declarações de Bolsonaro sobre terras indígenas a indicação da pastora evangélica Damares Alves para comandar a pasta das Mulheres, da Família e dos Direitos Humanos, agora com novo redesenho ministerial. Com isso a Funai, – agora sem o poder de demarcar terras —, que antes ficava sob controle do Ministério da Justiça, ficará subordinado a Alves.
O
ex-presidente da Funai no governo Temer, Antônio Costa afirmou ao
repórter Ricardo Della Colleta em dezembro que a transferência do órgão
federal para o novo ministério deve criar um grande vazio de direitos
adquiridos pelos indígenas e inflamar ainda mais os conflitos no campo.
Costa se demitiu por conta de pressões da bancada ruralista do Congresso
quatro meses após assumir o cargo. "Os deputados ruralistas com quem
conversei são sensíveis à sustentabilidade dos povos. O que falta é
diálogo com os segmentos e parar de colocar os índios e as demarcações
como entraves para o desenvolvimento", afirmou.
FONTE: El País
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