Quem mora no interior, muito mais que aqueles que vivem nas grandes cidades, podem ver mais claramente o céu estrelado. Em parte porque as luzes artificiais estão em menor escala, mas também porque olhar o céu é um dos prazeres naturais de quem vive no interior. Eu mesmo o faço sempre que posso. Moradores da capital quando veem um céu bonito já preparam a câmera do celular, claro. A poluição acaba por não permitir que essa cena seja corriqueira.
Algumas pessoas chegam a ir além. Diante da beleza de um céu brilhante, transformam o natural em poema, em pintura, em partitura. Elas transcendem.
Esta semana tive a alegria de conhecer Benevaldo Santos. Um nome desconhecido para muitos, mas não deveria ser. Ele é de uma cidade do interior chamada Apicum-Açu e desde pequeno gostava de desenhar e pintar.
O problema é que crescemos e muitos de nós abandonamos nossa arte. E, por um tempo, Benevaldo também deixou a dele. Trocou o lápis e a tinta pelas redes e vara de pesca. Embora este fosse seu modo de vida, a sua profissão, no meio de rios cheios de peixes, Benevaldo descobriu-se esquizofrênico.
Saiu do interior, abriu mão de tudo para encontrar tratamento em São Luís, ao lado da mãe. Foi no Centro de Atenção Psicossocial - CAPS III Bacelar Viana, no bairro do Monte Castelo, que ele encontrou ajuda. A unidade faz parte da nossa rede de atenção à saúde mental, e desenvolve um trabalho humanizado - que não isola o paciente da sociedade, mas oferta meios para mantê-lo em comunidade, ainda que em tratamento permanente.
Em janeiro, o CAPS III completou 7 anos e eu não pude comparecer à celebração da unidade e seus pacientes. Na semana seguinte pude ir lá. De cara me deparei com uma réplica idêntica do pintor Vincent Van Gogh: A Noite Estrelada.
Vejam só. O próprio Benevaldo quem o desenhou e pintou. A obra é linda! Tive o prazer de conversar com o paciente e saber um pouco de sua trajetória. Em determinado ponto ele confessou “eu escuto vozes e agora sei que são apenas coisas da minha mente, mas eu descobri que quando eu pinto tudo isso se afasta de mim. Eu ressurjo”. Benevaldo me falou do ontem, do hoje e do amanhã. Me falou de seus sonhos.
A arte de Benevaldo o salva dele mesmo. E eu me identifiquei muito com isso, pois a minha arte - eu amo ler e escrever - é meu transcender em dias em que a mente já não suporta toda a carga da dura vida. A arte revela toda nossa humanidade. Nos despimos, nos abrimos e somos nós mesmos - até melhores, ouso dizer.
Para mim, o céu estrelado jamais voltará a ser observado da mesma forma. Agora eu o tenho dentro da minha sala para lembrar de que é preciso transcender. Como disse o escritor maranhense Ferreira Gullar, a arte existe porque a vida não basta. Eu disse o mesmo a Benevaldo. Na cumplicidade de seu olhar, eu sei que ele compreendeu o que quis dizer. Nunca deixe de sonhar, Benevaldo. É só isso que a vida lhe pede.
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