domingo, 3 de fevereiro de 2019

Investigado pela PF, Aécio Neves buscará na Câmara sua sobrevivência política

No discurso de despedida do Senado, em dezembro passado, Aécio Neves (PSDB) desabafou aos pares: "Tenho vivido dias extremamente difíceis, vocês podem imaginar. Mas não perco a minha fé".
Quando ele finalizou a fala e desceu da tribuna, o que se viu destoou muito da liturgia parlamentar: não houve nenhum senador que o elogiasse ou fizesse aparte para mencionar alguma passagem de seus oitos anos no cargo, período em que mineiro quase virou presidente da República.
Transformado em político radioativo desde meados de 2017, quando foi afastado do Senado e quase preso nas investigações da Lava Jato, Aécio voltará neste ano à Câmara dos Deputados, onde começou sua ascensão nacional no início dos anos 2000. Será o lugar em que ele tentará sobreviver e se reerguer politicamente - tarefas consideradas difíceis até pelos aliados mais próximos.
Certo é que o mineiro ainda enfrentará dificuldades com a Justiça. O maior temor, ainda não afastado de todo por quem tem familiaridade com as investigações, é que o agora deputado federal seja preso.
Em dezembro, a Polícia Federal realizou duas operações - desdobramentos da principal, deflagrada em maio de 2017, após a delação dos donos da JBS - que apuram suposta propina de mais de R$ 120 milhões repassada pelos irmãos Batista para o tucano entre 2014 e 2017.
A acusação sustenta que esse dinheiro foi usado para comprar apoio à sua candidatura presidencial, o que sua defesa considera um absurdo.
Além de imóveis do senador, da irmã Andrea Neves e do primo Frederico Pacheco, estes dois presos temporariamente em 2017, os policiais também fizeram buscas no apartamento de sua mãe, Inês Maria, em um bairro nobre de Belo Horizonte.
Para Aécio, que saiu das eleições de 2014 como o principal nome da oposição, os eventos dos últimos dois anos mudaram sua carreira: de um dos políticos mais influentes do país a um com a imagem pública bastante abalada.

Um dos fiadores da posse de Michel Temer (MDB) no Planalto após o impeachment de Dilma Rousseff, Aécio foi fundamental para que o PSDB fizesse parte do governo. No ano seguinte, ele e Temer acabaram tragados simultaneamente no escândalo revelado pelos executivos da JBS.
O mineiro, contudo, ainda conseguiu sobreviver à avalanche das últimas eleições. Ele fez parte do seleto grupo da elite política que conseguiu se reeleger, embora para isso tenha descido um degrau e buscado uma cadeira como deputado federal.
A decisão de se candidatar à Câmara, mais fácil que a disputa para o Senado, se mostrou a correta. Numa campanha em que dispensou atos públicos, feita praticamente em ambientes fechados ou fazendas do interior, o senador "jogou parado", como disse um de seus aliados em Minas. Foi eleito com 106.702 votos, o 19º mais votado na bancada mineira de 53 deputados eleitos.
Com o auxílio de uma rede formada por vereadores e prefeitos do interior, ele pautou sua campanha nas ações de seu governo estadual entre 2003 e 2010.
"Ele ainda tem muito prestígio no Estado, a eleição mostrou isso. Foi de certa forma um gesto de gratidão dos eleitores e dos políticos ao seu passado", afirmou o deputado estadual Alencar da Silveira Júnior (PDT).

Foro para a luta judicial

Com a eleição para a Câmara, Aécio manteve o foro privilegiado, que lhe garante o direito de ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal, onde os processos contra os políticos costumam demorar mais em comparação às ações nas primeiras instâncias.
Ele é réu na corte numa ação penal sob acusação de corrupção passiva e obstrução de Justiça pela Procuradoria Geral da República na esteira da delação dos executivos da JBS. Há outros processos em trâmite, alguns com recursos solicitando o arquivamento, outros para prolongar a investigação.
Os inquéritos causam apreensão no seu grupo político. Sua prisão foi solicitada em pelo menos três ocasiões pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal, mas sempre recusada pelo STF sob o argumento de que a Constituição determina que um parlamentar só pode ser detido em flagrante. O tribunal, porém, autorizou em dois momentos distintos a suspensão de seu mandato.


"Ele sabe muito bem da sua atual situação e das dificuldades que vai enfrentar. Ele é inteligente, entende que não é o momento para se expor", comentou Danilo de Castro, um dos aliados mais próximos de Aécio em Minas Gerais e seu ex-secretário no governo estadual.
No seu círculo, muitos temem os desdobramentos da Lava Jato principalmente contra seus familiares. O aparecimento do nome da mãe nas investigações foi um sinal. A filha de Tancredo Neves, Inês Maria, já foi citada na Lava Jato como sócia de uma empresa da família sob investigação.
Como já disse em diferentes ocasiões, Aécio afirma tratar-se de um "teatro do absurdo" encenado pelos executivos da JBS, que estariam buscando "imunidade penal dos seus acordos de delação".

Pior momento

Para o político, 2017 foi o pior momento da sua longa carreira, quando a hecatombe provocada pelo escândalo da JBS também fez balançar Michel Temer.
Além da suspensão do mandato no Senado, o STF determinou à época a prisão da irmã, Andrea, sua estrategista política e pessoa que ele mais escutava e confiava, além do primo e assessor Frederico.
Nos áudios gravados pelo empresário Joesley Batista, Aécio negocia com ele o recebimento de R$ 2 milhões para ajudar em suas despesas pessoais - o político afirmou se tratar de um empréstimo pessoal. Quando abordavam sobre a entrega do dinheiro, o mineiro disse: "Tem que ser um que a gente mata ele antes de fazer a delação. Vai ser o Fred com um cara seu".
O episódio, além de ajudar a abalar sua imagem, provocou rusgas familiares. "Ele não honra a memória do pai e do avô", disse o desembargador aposentado Lauro Pacheco de Madeiros Filho dias depois da prisão do filho, Frederico.
Casado com uma das sobrinhas de Risoleta Neves, mulher de Tancredo por quase meio século, Lauro foi procurador-geral da Justiça de Minas no período em que o avô de Aécio governou o estado, no biênio 1983-84.
Numa carta divulgada na rede, Lauro disse que faltou ao neto seguir o conselho de Tancredo: o "mínimo de cerimônia com os escrúpulos".
As suspeitas da Lava Jato sobre seu círculo familiar vão além da mãe, da irmã e do primo. Um contraparente - casado com uma enteada da mãe -, o empresário Oswaldo Borges da Costa Filho, também estava sendo investigado.
Um dos tesoureiros do tucano na campanha presidencial de 2014 e pessoa chave de sua gestão em Minas, Oswaldinho, como é conhecido, dirigiu a secretaria do governo responsável pela construção da Cidade Administrativa, sede do Executivo Mineiro sob suspeita de superfaturamento e de conluio com construtoras.
"Aécio está passando por um momento de humilhação muito grande, humilhação inclusive de sua família, com uma exposição desumana. Essas coisas não se consertam no futuro", afirmou à BBC News Brasil o senador Renan Calheiros (MDB-AL), outro dos sobreviventes das urnas em 2018 e também investigado pela Lava Jato - ele é um dos principais críticos no Legislativo dos métodos dos investigadores.
"Não se pode constranger para investigar. Geralmente é o contrário, se investiga para, se for o caso, constranger".

FONTE: BBC Brasil

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