O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF)
formou maioria nesta quinta-feira (21) para impor uma nova derrota ao
Palácio do Planalto e colocar limites ao alcance da medida provisória
editada pelo governo Jair Bolsonaro que criou um 'salvo-conduto' a gestores públicos - o que inclui o próprio chefe do Executivo - por eventuais irregularidades em atos administrativos relacionados à pandemia do novo coronavírus, como contratações fraudulentas ou liberação de dinheiro público sem previsão legal.
Além
disso, os ministros também acompanharam o entendimento do relator,
ministro Luís Roberto Barroso, e enquadraram como "erros grosseiros" -
que podem ser punidos - medidas que contrariem critérios científicos e
técnicos estabelecidos por organizações reconhecidas nacional e
internacionalmente. Ou seja, nada que não seja comprovadamente seguro
pode ser legitimamente feito.
A MP prevê que agentes públicos só
poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se
ficar comprovada a intenção de fraude ou "erro grosseiro". Na prática,
ao reduzir o alcance da MP, o Supremo ampliou a possibilidade de
responsabilização de agentes públicos e descartou as chances de a medida
ser aplicada para atos de improbidade administrativa.
"A Constituição não autoriza ao presidente da República ou a qualquer
outro gestor público a implementação de uma política genocida na
questão da saúde", disse o ministro Gilmar Mendes.
Gilmar destacou
a importância de decisões tomadas por gestores se guiarem ao máximo em
padrões técnicos, em especial as normas e critérios científicos
aplicados à matéria, entre elas orientação da Organização Mundial da
Saúde (OMS). "Não podemos é sair aí a receitar cloroquina e tubaína, não
é disso que se cuida. O relator (ministro Luís Roberto Barroso) deixou
isso de maneira evidente, é preciso que haja responsabilidade técnica",
observou Gilmar.
Em entrevista nesta semana, Bolsonaro brincou com o tratamento do
novo coronavírus e disse que 'quem é de direita toma cloroquina, quem é
de esquerda, Tubaína'.
A posição do STF, a favor de critérios
técnicos e científicos, foi interpretada pela área jurídica do governo
como um duro recado contra o tratamento à base de cloroquina no
enfrentamento da pandemia do novo coronavírus. Segundo a OMS, o
medicamento não tem a eficácia comprovada no combate à covid-19.
Para
o ministro Luiz Fux, o erro grosseiro "é o negacionismo científico
voluntarista". "Temos diversos órgãos que afirmam o que é eficiente e
aquilo que não é eficiente", frisou Fux.
O respeito a evidências técnicas e científicas, observadas pela OMS,
também foi defendida pelo ministro Alexandre de Moraes. "A
desconsideração de tais critérios constitui indício de erro grosseiro",
afirmou Moraes.
"Em que se pese a incerteza existente da pandemia,
pela novidade do covid-19, em que se pese a incerteza derivada de
situação nunca vista nos últimos 100 anos, há conceitos científicos que
estão sendo trabalhados. A ciência pesquisa para balizar os gestores
públicos", completou Moraes.
Em maior ou menor grau, todos os 10
ministros que participaram do julgamento votaram contra os interesses do
governo - o decano do STF, ministro Celso de Mello, não acompanhou a
sessão. Moraes e Cármen Lúcia defenderam a suspensão de trechos da
medida provisória, enquanto o ministro Marco Aurélio Mello foi o único
que se posicionou por derrubar todo o texto.
Prevaleceu, no entanto, o entendimento de Barroso, de dar uma interpretação mais restritiva à medida, sem anular trechos dela.
Estratégia
O
julgamento marcou uma mudança de estratégia da Corte na análise de
ações consideradas sensíveis para o Palácio do Planalto. Ao invés de
decidir sozinho, Barroso encaminhar os processos para julgamento pelo
plenário, fazendo com que o entendimento fosse formado pelo colegiado.
Ao
longo das últimas semanas, ministros da Corte impuseram uma série de
reveses ao governo federal. Em um dos casos de maior repercussão,
Alexandre de Moraes suspendeu a nomeação de Alexandre Ramagem - próximo à
família Bolsonaro - para a Polícia Federal, o que enfureceu Bolsonaro.
"Não engoli. Não é essa a forma de tratar um chefe do Executivo",
reclamou o presidente no mês passado.
Barroso, por sua vez,
suspendeu sozinho um ato de Bolsonaro que determinava a expulsão de
funcionários da Embaixada da Venezuela em Brasília. Antes, o ministro
havia proibido o governo federal de veicular qualquer campanha que
sugira que a população deve retornar às suas atividades ou que minimize
os riscos da covid-19.
FONTE: Estadão

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