domingo, 12 de julho de 2020

É preciso luz, por Carlos Lula


Durante a semana, enquanto participava de um debate da Comissão externa de enfrentamento ao coronavírus na Câmara dos Deputados, um fato inusitado aconteceu. No meio da apresentação do Secretário Executivo do Ministério da Saúde, ele solicitou a abertura do painel de controle do site do próprio Ministério para verificar o número de leitos de UTI ocupados no Rio Grande do Sul com pacientes da COVID-19.

Para espanto geral, estariam ocupados, segundo o sistema, apenas nove leitos. Isso mesmo, nove. Mais de dois mil leitos estariam vazios. A fala foi imediatamente interrompida pelo deputado Dr. Luizinho, que destacou que haveria alguma coisa errada.

De imediato, procurei os mesmos números no boletim diário da Secretaria de Saúde do Rio Grande Sul. Ocupação de mais de setenta por cento dos leitos. Como se imaginava, os dados no site do Ministério estavam equivocados, o que acabou gerando uma imensa discussão durante a audiência. Verificando os dados de outros estados, a ocupação de leitos também não batia com a informação nos boletins das Secretarias Estaduais.

Se tivéssemos num voo, ninguém acharia seguro um piloto decolar às cegas, sem saber o que lhe espera pelo caminho. Ou ao navegar em um barco, não se admitiria que seu comandante não soubesse sobre os bancos de areia que teria de enfrentar adiante. Mas, no Brasil, infelizmente, navegamos às escuras muitas vezes. No contexto regular de formulação e execução de políticas públicas este é o pior cenário, agora avaliem estando em tempos de pandemia.

Um dos problemas do Sistema Único de Saúde são seus sistemas de informação, que não conversam entre si. Via de regra, os sistemas das secretarias municipais, das secretarias estaduais e do próprio Ministério não dialogam. Não seria muito mais simples se o sistema das Secretarias enviasse as informações ao sistema do Ministério de maneira automatizada?

Não há como realizar de maneira adequada qualquer política de saúde sem informações. E a qualidade desta informação depende de uma coleta eficaz dos dados. Ao tomar decisão baseado em conhecimento obsoleto incorre-se em sérios equívocos.

O processo de planejamento, avaliação, manutenção e aprimoramento das ações de Saúde no Brasil precisa urgentemente da integração de todos os sistemas. Esta operacionalidade já seria uma pequena chama a iluminar a dura caminhada até o fim da batalha contra a COVID-19 no país.

Mecanismos sofisticados de informação beneficiam não somente os gestores públicos para a tomada de decisão como também a sociedade civil, que pode e deve exercer controle social sobre as medidas executadas em todos os âmbitos federativos. Um dos aspectos mais fascinantes a respeito do SUS é a sua horizontalidade, ou seja, de como ele consegue dialogar e levar em conta, para a sua burocracia, a escuta dos usuários, direta ou indiretamente envolvidos no processo.

Não podemos esquecer que a informação depurada, sincronizada e qualificada é a matéria-prima para análise científica dos diversos pesquisadores e pesquisadoras espalhados pelo país que, dentro do seu campo do conhecimento, tentam elucidar melhor a crise sanitária que enfrentamos. A universidade brasileira tem dado provas indeléveis da sua importância para o debate público sobre a saúde no Brasil e este patrimônio precisa ser defendido e reforçado a cada dia. Uma gestão do SUS efetiva só é possível com ciência. Uma boa ciência se faz com dados, e os dados, isto é, a informação, precisam ser nosso farol.

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