segunda-feira, 20 de julho de 2020

Lições que aprendi com guerras, por Carlos Lula


A história deveria nos ensinar algo sobre reação à guerra. Nas Primeira e Segunda Guerras Mundiais, fabricantes de automóveis e motos suspenderam as atividades comerciais para produção de veículos de guerra, motores de avião, ambulância, até armas. Inglaterra, Alemanha, França e Estados Unidos, por exemplo, descobriram tenebrosamente que nenhuma estratégia seria suficiente se lhes faltassem equipamentos para sobreviver e subjugar o inimigo de batalha.

Um século depois da primeira guerra, a pandemia do novo coronavírus paralisou as atividades no mundo. O inimigo invisível provocou quebra de economias e já contabiliza mais 500 mil vidas perdidas. Desta vez, a corrida de todas as nações se voltou a encontrar a cura, proteger à população, garantir assistência para uma doença desconhecida e pressa em conhecer a SARS-CoV-2.

O Brasil viu-se exposto, despreparado e as perdas já contabilizam quase 80 mil mortes. Sendo a sexta nação mais povoada do planeta, o país demonstrou ter recursos, habilidade científica para sequenciar o vírus, gestores estaduais e municipais correram contra o tempo e abriram mais de 9 mil novos leitos para assistência aos pacientes acometidos pela COVID-19. 

Cinco meses após o aparecimento do primeiro caso, no já distante 26 de fevereiro, o Brasil ainda busca saídas para a crise sanitária, sobretudo, porque depende de insumos médicos exportados. Neste momento crucial, onde diversas nações buscam os mesmos produtos, continuamos na fila de espera. Mas seguimos, buscando a exportação de produtos necessários para lutar contra o vírus. No caminho, perdemos vidas, perdemos tempo, perdemos para outros países equipamentos e insumos. 

Há meses, gestores estaduais alertam para a dificuldade na compra de medicamentos do kit intubação, hoje, em falta em diversos estados. Sem essa medicação, torna-se impossível realizar a intubação traqueal, que permite a ventilação mecânica dos pacientes graves de Covid-19. 

Embora o Ministério da Saúde tenha acatado, recentemente, a sugestão de realizar uma única ata para aquisição dos insumos com a participação de todos os gestores de saúde do país, o processo de compra e distribuição pelo Ministério pode demorar mais do que o previsto, nos jogando novamente numa guerra sem armas.

Ações tardias e frágeis da gestão federal ocorrem desde o início do controle da grave situação de crise sanitária. Nem mesmo uma política de reconversão industrial ganhou força no Brasil. Embora algumas grandes empresas tenham colocado suas fábricas disponíveis ao conserto de ventiladores e produção de máscaras, o país não apresenta capacidade produtiva suficiente a fim de suprir a demanda urgente dos 26 estados, mais de cinco mil municípios e Distrito Federal. 

No século XXI, o cenário nacional parece o da colônia, ainda dependente de países mais bem organizados e mais tecnologicamente desenvolvidos, como China e Índia. A Ásia na frente do mundo. Ninguém estava preparado para esta transformação na história.

Neste momento, a prioridade é resolver nossos entraves internos, ou seja, a grave crise provocada pela falta de medicamentos para intubação. Concomitantemente, as três esferas de governo no SUS precisam desenvolver urgentemente uma política para construção de um complexo industrial da saúde. Por meio dela, barateamos os gastos públicos, contribuímos para o desenvolvimento da indústria brasileira, produziremos maior conhecimento técnico-científico, abriremos novos empregos e jamais estaremos tão expostos na guerra.

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