Ao cair de suas flores, o chão se pintava de rosa. Todas as crianças da redondeza ficavam esperando por aquela época do ano. Não era um rosa qualquer, era aquele rosa! Um rosa forte, quase um rosa choque. Obviamente, eu e meus vizinhos pouco nos importávamos com os marimbondos que insistiam em formar suas casas nos jambeiros da esquina. Aquele tapete rosa era um local para exercer nossa imaginação, brincar, pular ou tão somente apreciar, já na árvore, a beleza daquele momento. Mesmo com os marimbondos, que vez por outra insistiam em nos atacar, as crianças ficavam fascinadas com a magia que emanava daquelas árvores que deixavam tudo cor de rosa.
A gente cresce e se distancia da fantasia de menino. Mas esta semana, o jambo voltou a atravessar o meu caminho. Nesta época do ano é comum que caiam flores do jambeiro pelo chão. Os espaços onde estão plantadas essas árvores ficam cercados de um tapete natural cor de rosa, aquele que me encantava quando criança, para o desespero de quem diariamente precisa limpar o terreno. Para outras pessoas, como seu Valteni, funcionário da Maternidade de Alta Complexidade do Maranhão, as flores de jambo no chão são um deleite à vista.
Seu Valteni diariamente precisa limpar a ala externa da maternidade. O que aparentemente é uma atividade comum se transforma por causa desse funcionário. Para ele, o pátio tomado pelo tapete cor de rosa é um painel de arte. Ele é o artista, que aproveita para varrer/desenhar, com as flores do jambeiro no chão, imagens de coração com um bebê dentro dele, uma mulher gestante, uma grande flor.
De repente, o que era apenas um pátio que precisava ser varrido torna-se um cenário digno de apreciação. É impossível entrar na maternidade sem admirar as figuras criadas por ele. Imagens carregadas de sensibilidade e significado, que representam o universo contido na mais importante unidade materna do nosso estado. Inesperadamente, a mesma magia que enxergávamos quando criança foi reencontrada por Seu Valteni. Ele simplesmente não deixou de enxergar. Enquanto muitos viam flores no chão e sujeira, ele conseguiu enxergar arte.
Acho que o pé de jambo carrega essa magia com ele. Ele é tão corriqueiro em nossas cidades, que acreditamos que é uma planta nativa, mas não é. Assim como a jaca ou a manga, a fruta veio da Índia. Trazida há séculos pelos portugueses, praticamente conquistou uma cidadania brasileira. Mas na Índia, o pé de jambo é mágico. Para a antiga cultura local, o centro do mundo seria o Monte Meru e no seu topo haveria uma grande árvore da vida, examente o jambo. E o seu fruto produziria o suco que gera um grande rio que escorre pelo Monte Meru e alimenta os mares do mundo. Para a antiga cultura da Índia, portanto, o jambo é quem forma a origem da vida no mundo, desde as plantas até os animais.
Eu não sabia dessa lenda quando criança, mas ela tem sentido. Para muitas mães que aguardam seus bebês saírem da UTI, é um alento para o coração ver a arte produzida por seu Valteni com as flores do jambo no chão da maternidade. Mesmo fora do ambiente hospitalar, também é agradável aos nossos olhos parar alguns segundos para admirar esse trabalho – ainda que por fotos e vídeos.
E é por acreditar em magia, que muitas vezes conseguimos o impossível. Na última semana, o governador Flávio Dino foi convidado a apresentar, durante a reunião da Comissão Intergestores Tripartite (CIT), a nossa experiência com a redução da mortalidade materna na Região de Saúde de Balsas. Esta localidade detinha um dos piores índices do estado e do país, mas chegou, em 2018, a zero. Isto mesmo, nenhuma morte durante a gestação, parto ou pós-parto.
O feito foi tão fantástico que nesta reunião, onde estão o Ministério da Saúde, os Secretários de Estado e dos Municípios da Saúde do país, nunca nenhum governador havia sido convidado a apresentar o êxito de experiências em saúde. O feito inédito na história da CIT é do Maranhão. E, por isso, todos os olhos agora estão voltados para nós. Saímos da condição de estado conhecido apenas por histórias absurdas, vergonhosas e tristes para um modelo de eficiência na saúde pública.
Há uma frase conhecidíssima que afirma ‘só podemos oferecer aquilo que temos’. Seu Valteni oferece mais que mãos que varrem flores, ele transforma completamente o ambiente externo em beleza e arte. Semelhantemente, o Governo do Maranhão tem feito mais que gerenciar um estado. Nossa saúde tem tentado ser inovadora e caso de sucesso no Brasil e no mundo. As flores da saúde tornam-se feitos a serem contemplados e replicados. Não serão apenas flores no chão. Podem se tornar arte, como na magia cotidiana de seu Valteni.
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