Subdesenvolvimento não se improvisa. É obra de séculos, dizia Nelson
Rodrigues. A piada continua válida, mas o presidente resolveu acelerar o
processo. A sua ação política e pessoal, que nega a luta pela vida e
ignora medidas como o isolamento social, aumenta o drama vivido pelo
País. O índice de adesão à quarentena no País vem caindo desde março, e
atingiu seu número mais baixo na última quarta-feira, segundo a
plataforma In Loco — 41,7%, enquanto os especialistas recomendam 70%. O
desgoverno de Bolsonaro tornou o País um pária na comunidade
internacional, na rabeira do combate global à pandemia. Na última
semana, o Brasil ultrapassou a barreira de mil mortes diárias. Mais de
20 mil brasileiros já perderam a vida.
Os mais de 300 mil casos confirmados colocaram o País na terceira
colocação mundial no ranking de infectados. O número de novos casos
diários, na casa de 20 mil, já se aproxima dos EUA, líder mundial nesse
quesito. A Universidade de Washington (EUA) prevê que o Brasil poderá
ter 90 mil mortes até a primeira semana de agosto. Esse número pode
chegar a 194 mil. Os números assustadores também devem se reproduzir na
economia. O tombo do PIB vai ser maior do que no resto do mundo, e a
retomada será mais difícil. As ações antiambientais do mandatário já
haviam afastado os investidores. Agora, a pandemia tirou o País do mapa
do capital internacional pelos próximos anos.
Alheio à emergência,
o presidente continua sua cruzada contra as medidas de isolamento
social. No domingo, 17, voltou a se encontrar com apoiadores em frente
ao Palácio do Planalto, acompanhado de onze ministros. Desta vez, usou
máscara e adotou tom conciliador. Mas continuou a transferir para os
governadores e a imprensa a culpa pela expansão da doença. Ao sair do
Palácio da Alvorada, em direção à manifestação, repreendeu o general
Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) por falar com jornalistas.
Depois, divulgou que o ato tinha sido pacífico: “Nenhuma faixa, nenhuma
bandeira que atente contra a nossa Constituição”. O tom ameno não se
deve a uma mudança de atitude. Acontece pelo receio de que o inquérito
aberto após as denúncias feitas pelo ex-ministro Sergio Moro levem o
ministro Celso de Mello, relator do caso no Supremo Tribunal Federal
(STF), a divulgar na íntegra a fita da reunião do dia 22 de abril. Essa
gravação preocupa o presidente, pois pode confirmar a tentativa de
interferência na Polícia Federal e tem potencial de escancarar à opinião
pública os ataques de ministros aos outros Poderes, brigas no seio do
governo e críticas a países aliados. A barafunda da administração
Bolsonaro já levou à demissão de 11 ministros, sem contar os quatro
titulares da Secretaria da Cultura — a última titular, Regina Duarte,
foi exonerada na última quarta-feira, menos de três meses depois de
assumir a função.
Insistência na cloroquina
Por culpa de
Bolsonaro, a política de combate à doença permanece disfuncional. Além
de ignorar a recomendação de especialistas, ele ataca os governadores
que estão na linha de frente. Sua ações desorganizam o sistema de saúde
já em dificuldades. Médicos da rede pública se dizem pressionados pela
crescente recomendação para que prescrevam a cloroquina, apesar do
alerta das entidades médicas com a falta de comprovação dos efeitos
positivos e o risco de efeitos colaterais. O ex-ministro da Saúde, Luiz
Henrique Mandetta, previu que seu uso indiscriminado poderá aumentar o
número de mortos em casa. A sabotagem à quarentena estimula atitudes
inconsequentes pelo País.
Em várias cidades, a população sai às
ruas ignorando os riscos. Com a expansão da doença, vários municípios em
situação dramática, sem leitos de UTI disponíveis, no Rio de Janeiro,
Pará, Tocantins, Amapá, Roraima e Paraná, precisaram impor o lockdown.
Mas seus prefeitos precisam confrontar o discurso do presidente, que
anuncia pílulas milagrosas e menospreza o perigo da doença. A Justiça
tenta reagir. O ministro Rogério Schietti Cruz, do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), negou um habeas corpus impetrado pela deputada
bolsonarista Clarissa Tércio, que pedia o fim do isolamento em
Pernambuco. Em sua sentença, o juiz aponta o desgoverno na área da saúde
e diz que os governos regionais estão carentes de “uma voz nacional que
exerça o papel que se espera de um líder democraticamente eleito,
responsável pelo bem-estar e saúde de toda a população, inclusive da que
não o apoiou ou apoia”. A anarquia gerencial do governo Bolsonaro
impede que o País discuta um plano para a retomada programada da
economia. O mandatário ainda está atrapalhando os gestores que, sem
recursos, tentam desesperadamente salvar vidas.


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