sexta-feira, 22 de maio de 2020

Em crise, Brasil caminha para virar epicentro da epidemia


Subdesenvolvimento não se improvisa. É obra de séculos, dizia Nelson Rodrigues. A piada continua válida, mas o presidente resolveu acelerar o processo. A sua ação política e pessoal, que nega a luta pela vida e ignora medidas como o isolamento social, aumenta o drama vivido pelo País. O índice de adesão à quarentena no País vem caindo desde março, e atingiu seu número mais baixo na última quarta-feira, segundo a plataforma In Loco — 41,7%, enquanto os especialistas recomendam 70%. O desgoverno de Bolsonaro tornou o País um pária na comunidade internacional, na rabeira do combate global à pandemia. Na última semana, o Brasil ultrapassou a barreira de mil mortes diárias. Mais de 20 mil brasileiros já perderam a vida.


Os mais de 300 mil casos confirmados colocaram o País na terceira colocação mundial no ranking de infectados. O número de novos casos diários, na casa de 20 mil, já se aproxima dos EUA, líder mundial nesse quesito. A Universidade de Washington (EUA) prevê que o Brasil poderá ter 90 mil mortes até a primeira semana de agosto. Esse número pode chegar a 194 mil. Os números assustadores também devem se reproduzir na economia. O tombo do PIB vai ser maior do que no resto do mundo, e a retomada será mais difícil. As ações antiambientais do mandatário já haviam afastado os investidores. Agora, a pandemia tirou o País do mapa do capital internacional pelos próximos anos.

Alheio à emergência, o presidente continua sua cruzada contra as medidas de isolamento social. No domingo, 17, voltou a se encontrar com apoiadores em frente ao Palácio do Planalto, acompanhado de onze ministros. Desta vez, usou máscara e adotou tom conciliador. Mas continuou a transferir para os governadores e a imprensa a culpa pela expansão da doença. Ao sair do Palácio da Alvorada, em direção à manifestação, repreendeu o general Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) por falar com jornalistas. Depois, divulgou que o ato tinha sido pacífico: “Nenhuma faixa, nenhuma bandeira que atente contra a nossa Constituição”. O tom ameno não se deve a uma mudança de atitude. Acontece pelo receio de que o inquérito aberto após as denúncias feitas pelo ex-ministro Sergio Moro levem o ministro Celso de Mello, relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF), a divulgar na íntegra a fita da reunião do dia 22 de abril. Essa gravação preocupa o presidente, pois pode confirmar a tentativa de interferência na Polícia Federal e tem potencial de escancarar à opinião pública os ataques de ministros aos outros Poderes, brigas no seio do governo e críticas a países aliados. A barafunda da administração Bolsonaro já levou à demissão de 11 ministros, sem contar os quatro titulares da Secretaria da Cultura — a última titular, Regina Duarte, foi exonerada na última quarta-feira, menos de três meses depois de assumir a função.


Insistência na cloroquina
Por culpa de Bolsonaro, a política de combate à doença permanece disfuncional. Além de ignorar a recomendação de especialistas, ele ataca os governadores que estão na linha de frente. Sua ações desorganizam o sistema de saúde já em dificuldades. Médicos da rede pública se dizem pressionados pela crescente recomendação para que prescrevam a cloroquina, apesar do alerta das entidades médicas com a falta de comprovação dos efeitos positivos e o risco de efeitos colaterais. O ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, previu que seu uso indiscriminado poderá aumentar o número de mortos em casa. A sabotagem à quarentena estimula atitudes inconsequentes pelo País.

Em várias cidades, a população sai às ruas ignorando os riscos. Com a expansão da doença, vários municípios em situação dramática, sem leitos de UTI disponíveis, no Rio de Janeiro, Pará, Tocantins, Amapá, Roraima e Paraná, precisaram impor o lockdown. Mas seus prefeitos precisam confrontar o discurso do presidente, que anuncia pílulas milagrosas e menospreza o perigo da doença. A Justiça tenta reagir. O ministro Rogério Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), negou um habeas corpus impetrado pela deputada bolsonarista Clarissa Tércio, que pedia o fim do isolamento em Pernambuco. Em sua sentença, o juiz aponta o desgoverno na área da saúde e diz que os governos regionais estão carentes de “uma voz nacional que exerça o papel que se espera de um líder democraticamente eleito, responsável pelo bem-estar e saúde de toda a população, inclusive da que não o apoiou ou apoia”. A anarquia gerencial do governo Bolsonaro impede que o País discuta um plano para a retomada programada da economia. O mandatário ainda está atrapalhando os gestores que, sem recursos, tentam desesperadamente salvar vidas.

 FONTE: IstoÉ

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