No discurso aos seus apoiadores, o presidente Jair Bolsonaro
(sem partido) diz que não faz acordos, que representa a nova política e
que não loteia o seu Governo para legendas. Na prática, isolado
politicamente desde o início da pandemia de coronavírus, agiu de maneira
distinta e se aproximou de figuras que foram condenadas ou são rés em
dois dos maiores escândalos de corrupção do país: o mensalão e a Lava Jato.
Tudo contou com apoio da ala militar de sua gestão. Desde a semana
passada, Bolsonaro e seus ministros participaram de reuniões com
interlocutores da “velha política” que dizem combater.
Estiveram à mesa presidencial representantes de Valdemar Costa Neto (PL) e Roberto Jefferson (PTB), ambos condenados no mensalão, além de Gilberto Kasab (PSD) e Ciro Nogueira (Progressistas), investigados pela Operação Lava Jato (na noite de quinta-feira a CNN e a revista Época publicaram um vídeo de Jair Bolsonaro ao lado Arthur Lira (PP) onde o presidente cumprimenta a família do deputado, réu em uma ação ligada à Lava Jato).
Na movimentação. ainda foram ouvidos representantes do Republicanos.
Juntos, esses cinco partidos têm 159 dos 513 deputados federais. É o
núcleo duro do bloco conhecido como Centrão. Atualmente, quase nada no
Legislativo é aprovado sem os votos desse grupo, que está sob a
influência do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM).
Oficialmente,
Bolsonaro pediu integração dos partidos para superar as crises
sanitária e econômica da covid-19. Nos bastidores, contudo, ele ofereceu
dezenas de cargos de segundo e terceiro escalão. Vai desde a
presidência do Banco do Nordeste até o comando dos Fundos Nacionais da
Saúde (FNS) e da Educação (FNDE). No curto prazo seus objetivos são
frear o que considera “pautas bombas” que o Congresso queira votar nesse
período e evitar qualquer discussão sobre um eventual processo de
impeachment. No médio prazo, pretende influenciar na sucessão da Câmara em janeiro de 2021,
tendo um candidato governista para se opor ao próprio Maia – que
articula uma mudança constitucional para concorrer a um quarto mandato
consecutivo – ou a quem for indicado por ele.
Em contrapartida, os
partidos que emplacarem seus indicados já teriam maneiras de interferir
na disputa das eleições deste ano, irrigando prefeituras com recursos e
ajudando a eleger parte da base eleitoral que servirá de sustentação
para o pleito de 2022. O primeiro sinal de que a articulação está dando
certo ocorreu já nesta quarta-feira, quando a pedido do Governo e de
megaempresários, a Câmara desistiu de votar um projeto de lei que
obrigava as empresas bilionárias a fazerem empréstimos compulsórios ao
Executivo no período de combate à pandemia de coronavírus. O autor da
proposta é Wellington Roberto, líder do PL na Casa.
MDB, DEM e PP
O presidente do MDB, Baleia Rossi, foi outro
que se reuniu com o presidente. Mas ele diz que nada lhe foi oferecido e
que esteve na reunião apenas para colocar sua bancada, de 34 deputados,
à disposição do Governo para combater a covid-19. “O MDB não
reivindica, não pede e não indicará nenhuma função no Governo federal”,
diz. Rossi tem a missão de trazer alguma relevância aos emedebistas, que
tinham assentos em todos os governos desde a redemocratização. Diz que
sua prioridade não é buscar o embate, como Bolsonaro tanto apregoou nos
últimos meses. “Momento agora não é de radicalismo, de briga política”.
O
próximo a se reunir com o presidente é Antônio Carlos Magalhães Neto,
que preside o DEM e é prefeito de Salvador (BA). O encontro está
previsto para esta quinta-feira. No caso de ACM Neto, ainda não está
clara qual será a postura de Bolsonaro.
Os principais
incentivadores da aproximação de Bolsonaro com os representantes
partidários foram os ministros-generais Luiz Eduardo Ramos
(Secretaria-Geral) e Walter Braga Netto (Casa Civil). Eles entendem que,
sem um elo entre presidente o Legislativo, não será possível dar
andamento às pautas econômicas necessárias para auxiliar no combate à
covid-19. A preocupação deles é a de evitar que as pautas governistas
inteiramente alteradas no Parlamento, como foi a ajuda emergencial aos
Estados e municípios.
No último dia 13, a Câmara aprovou uma
proposta que mais que dobrava os gastos que União pretendia ter com essa
ajuda financeira, atingindo o patamar de 89,6 bilhões de reais. Sob a
batuta de Maia e de governadores, o Centrão ajudou a desfigurar o pacote
de socorro fiscal desenhado pelo Ministério da Economia. Antes, os
mesmos parlamentares aumentaram de 200 reais para 500 reais mensais a
ajuda de custo que o governo deveria dar à população mais pobre durante o
período da crise – mais tarde o Executivo concordou em elevar para 600 reais.
As
alterações nas propostas governistas fizeram com que Bolsonaro elevasse
as críticas contra o presidente da Câmara. O mandatário diz que o
deputado quer tirá-lo do poder. Sob a mesa de Maia há sete pedidos de
impeachment que dependem de uma decisão unilateral sua para serem
iniciados. O clima esquentou depois que Bolsonaro participou no domingo
de um ato pró-fechamento do Legislativo e do Supremo Tribunal Federal. E
arrefeceu na segunda-feira, quando ele disse a apoiadores que era a
favor da democracia e entendia que todos os poderes deveriam seguir
abertos. Os vaivéns presidenciais, com acenos radicais e supostos
recuos, têm sido praxe, e estão longe de terminarem.
FONTE: El País
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