Brian Jones e Patrícia Whitney-Jones formaram um casal tipicamente americanos, com final mais trágico que romance inglês do século XVII. Digo mais trágico porque a história deles é real.
Após a aposentadoria de Brian, o casal resolveu abandonar a vida agitada e aproveitar o descanso em uma cidade pacata e interiorana dos Estados Unidos, com apenas 14 mil habitantes. Em 2004, adquiriram uma nova casa com três quartos, varanda, jardim, garagem ampla, localizada em rua tranquila, com árvores abundantes. Tudo tornava o novo ambiente mais agradável para viver.
Fotografar, caminhar, cuidar do jardim e dos dois cachorros era a rotina deste casal, de 77 e 76 anos. Tudo muda a partir do adoecimento de Patrícia. O drama aumenta quando Brian liga para o serviço de emergência, em 7 de agosto deste ano, avisa “eu vou me matar” e acrescenta “nós estaremos em frente a cama”, antes de deligar. Sem demora, a polícia chega ao local e encontra os idosos juntos, mortos.
No bilhete de Brian encontrado na casa, a motivação para os suicídios: as dívidas geradas com as despesas médicas da esposa se tornaram impossíveis de pagar.
Angustiante essa história, não é? Infelizmente ela é corriqueira. O modelo de sistema de saúde adotado nos Estados Unidos leva a esse tipo de problema. Diferente do SUS, que é um sistema universal e, portanto, não prevê distinções para o acesso a ele (o rico, o pobre, o grande empresário ou o sem teto, todos podem acessá-lo da mesma forma), o sistema americano funciona de outro modo.
Lá, só há intervenção estatal quando os assim considerados “canais naturais” de satisfação das necessidades – o esforço individual, a família, o mercado – mostram-se insuficientes. Para não impor sanções drásticas demais aos segmentos sociais mais desprotegidos, então o Estado intervém.
No modelo de saúde dos EUA, a responsabilidade pública está resumida a um patamar mínimo. A sua lógica está fundamentada em uma visão eminentemente liberal de mundo. Nela, o mercado é o verdadeiro provedor do bem-estar individual, de modo que a responsabilidade estatal está restrita à última instância, de modo temporário e residual. Apenas os mais fracos e incapazes para o trabalho devem receber a intervenção da mão do Estado.
Como consectário do modelo de saúde, na proteção social residual, o Estado somente se responsabiliza por proteger os mais pobres, deixando que cada um compre serviços de saúde no mercado. Seus programas públicos de proteção à saúde dirigem-se apenas aos mais necessitados e parcialmente aos aposentados.
O Medicare é destinado à cobertura médico-hospitalar dos aposentados, população com idade superior a 65 anos, e requer co-pagamento pelo usuário. Já o Medicaid é restrito à população de baixa renda, com comprovação de suas condições de pobreza.
Então, aqueles que não têm renda suficiente, embora não sejam considerados pobres, não estão cobertos nem pelos programas públicos nem pelos seguros e planos de saúde privados. Estima-se que 46 milhões de estadunidenses não tenham nenhum tipo de cobertura no caso de doença! Apesar disso, os Estados Unidos é o país que mais gasta em saúde no mundo, tanto em termos per capita como proporção do Produto Interno Bruto (PIB).
Em 2011, segundo a Organização Mundial de Saúde, o gasto per capita em saúde foi de 8.476 dólares e o gasto total correspondeu a 17,7% do PIB, o que denota uma grande ineficiência do gasto em saúde nesse país. Como já deu para notar, o sistema dos Estados Unidos é o oposto do SUS.
Contudo, em nosso país, brasileiros e estrangeiros acessam a saúde de três diferentes maneiras. Existe o sistema único de saúde pública que atende a todos, uma vez que é o SUS quem controla a qualidade da água, distribui as vacinas, medicamentos de alto custo, dentre tantos programas. Outro modo é por meio dos planos de saúde para onde vão cerca de 45 milhões de pessoas. O terceiro, pouco estudado, cada dia mais evidente, é onde uma grande parcela da população retira dinheiro do próprio bolso, vai à farmácia, compra consultas médicas, atendimentos, acessa hospitais privados sem nenhum tipo de intermediação das operadoras de saúde. Esse modelo de desembolso direto, contraditoriamente, cada dia se torna maior.
Um sistema segmentado como o americano é profundamente injusto e o tempo tem mostrado também ser profundamente ineficaz. Por ora, nosso modelo é público, universal e gratuito. Mas caso o nó do financiamento do SUS não seja desatado, seremos os Estados Unidos amanhã. Propostas e debates de segmentação do sistema único de saúde começam a acontecer no Congresso.
Qual é o preço que estamos dispostos a pagar pelo desmonte do SUS? A tragédia do casal Jones no Brasil é tudo o que não queremos, e deles não devemos nos esquecer.
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