A cada quatro pesquisas eleitorais registradas no País para o primeiro turno das eleições municipais deste ano, uma foi paga com recursos da própria empresa responsável pela produção dos levantamentos: 3.675 de 14.235. A prática do autofinanciamento de pesquisas de intenção de voto acendeu um alerta no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e no Ministério Público Eleitoral nos pleitos passados e se tornou um dos alvos da Corte e das promotorias estaduais na tentativa de mitigar os efeitos de possíveis fraudes e uso político para influenciar as eleições.
Entidades que regulam o setor e especialista ouvidos pelo Estadão questionam os interesses por trás da prática, que abre brecha para que as empresas não revelem a origem do dinheiro despendido nas sondagens.
As sondagens autofinanciadas provocam duas principais desconfianças, segundo os especialistas. Primeiro, ao informar que realizaram as pesquisas sem contratante externo, esses institutos não precisam revelar a origem do dinheiro: se de fato veio da própria empresa ou de um contratante oculto. Em segundo, há dúvidas sobre a qualidade das sondagens. O temor é que candidatos tentem forjar levantamentos de intenção de voto para induzir votos.
As empresas responsáveis pela produção e divulgação das pesquisas autofinanciadas usaram R$ 38 milhões dos recursos próprios para realizar os levantamentos, segundo dados do TSE. O Instituto Veritá é o líder em gastos com pesquisas eleitorais. De acordo com os dados do TSE, a empresa produziu 297 pesquisas, sendo 296 pagas com recursos próprios. Os gastos atingem quase R$ 10 milhões (R$ 9.959.533,26). Já o Instituto Skala registrou 228 pesquisas no período – 227 autofinanciadas. O gasto com os levantamentos chegou a R$ 1.607.500,00. Procuradas pelo Estadão, as empresas não se manifestaram.
O coordenador do Conselho de Opinião Pública e Pesquisas Eleitorais da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas (Abep), João Meira, diretor do Instituto Vox Populi, alerta para a origem do financiamento das pesquisas autofinanciadas. Ele destacou que pesquisas são caras e criticou a falta de controle e transparência das empresas.
“Há um número muito expressivo de pesquisas cuja origem dos recursos declarada é como sendo da própria empresa. Como é que uma empresa declara que investiu R$ 10 milhões em recursos próprios para fazer pesquisa? É uma questão que preocupa, porque a gente receia de que esse fenômeno esteja deixando de registrar com clareza a origem desses recursos. Pesquisa é uma atividade que tem custos. É difícil encontrar uma explicação plausível para que aquela empresa disponha de recursos desse porte para investir em processos eleitorais”, disse.
O advogado Alberto Rollo, especialista em Direito Eleitoral, faz coro às críticas ao atual modelo de controle e de inscrição das empresas de pesquisas eleitorais. Segundo o jurista, é necessário um controle maior dos institutos registrados, com requisitos como anos de atuação e barreiras por porcentagem de acerto em pleitos anteriores.
“Você tem pesquisa para tudo quanto é lado. A resolução do TSE deste ano tem como objetivo disciplinar um pouco mais o sistema. Acrescentou o item de que quando a pesquisa for registrada e paga pelo próprio instituto, ele tem que apresentar o balancete do ano anterior, mas ainda não é suficiente. O que eu vejo, na prática, é instituto de pesquisa sendo criado em ano eleitoral, pesquisas com resultados para tudo quanto é lado, que interessa para quem está encomendando”, disse.
As pesquisas bancadas pelos institutos entraram no radar do TSE e do Ministério Público. O tribunal atualizou a Resolução nº 23.600/2019, por meio da Resolução nº 23.727/2024, com novas medidas para coibir a divulgação de pesquisas eleitorais fraudulentas e aumentar a transparência dos levantamentos. Com a iniciativa, as empresas passaram a ter a obrigação de apresentar o Demonstrativo de Resultado de Exercício (DRE) do ano anterior à Corte. A nova regra faz com que os institutos comprovem capacidade financeira para custear as próprias pesquisas.
O número de pesquisas eleitorais aumenta significativamente a cada eleição. Somente no pleito deste ano, os registros de sondagens cresceram 35% em comparação com os levantamentos divulgados no primeiro turno das eleições de 2020. Foram de 10.561 para 14.304, entre pagas por contratantes externos e autofinanciadas. O número de empresas registradas no TSE para a coleta, no entanto, caiu, passando de 663, em 2020, para 611, em 2024.
A fiscalização das pesquisas eleitorais é de responsabilidade de partidos, coligações, candidatos e Ministério Público Eleitoral. O Congresso Nacional avança para proibir as pesquisas autofinanciadas. A Câmara dos Deputados aprovou, em 2021, um novo Código Eleitoral que prevê, entre outras medidas, a proibição de pesquisas custeados com recursos das empresas responsáveis pelas sondagens. O Projeto de Lei Complementar 112/2021, agora, está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
O relator do texto, senador Marcelo Castro (MDB-PI), é defensor da tese. No parecer apresentado em março deste ano, o parlamentar aponta ainda a necessidade de um número maior de informações sobre as empresas registradas no TSE para a produção dos levantamentos.
De acordo com a legislação eleitoral atual, qualquer empresa pode registrar uma pesquisa eleitoral no TSE. Para isso, basta preencher um formulário eletrônico com informações sobre quem contratou a pesquisa; valor e origem dos recursos despendidos no trabalho; metodologia e período de realização da pesquisa; plano amostral e ponderação quanto a sexo, idade, grau de instrução, nível econômico e área física de realização do trabalho a ser executado; intervalo de confiança e margem de erro; e o questionário a ser aplicado.
Fonte: Estadão
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