Um estudo realizado por dois anos pelo Centro de Terrorismo, Crime Transnacional e Corrupção (TraCCC) da Universidade George Mason, em Washington/EUA, e seu Instituto Anti-Comércio Ilícito (AITI) avaliou “Centros de Comércio Ilícito” que estão em operação por todo o mundo. No Brasil, a TRAC (Rede Colaborativa de Pesquisa sobre Terrorismo, Radicalização e Crime Organizado da PUC Minas) foi a parceira brasileira responsável pela pesquisa na América do Sul, especificamente na tríplice fronteira entre Argentina/Brasil/Paraguai, enquanto parceiros internacionais trabalharam no projeto avaliando outros três complexos centros de comércios ilegais: América Central (Panamá, Guatemala e Belize); Oriente Médio (Dubai) e Europa Oriental (Ucrânia).
Esses quatro centros de comércio ilícito foram inicialmente selecionados por conta da diversidade geográfica e reconhecimento como áreas de alta concentração de fluxos ilícitos de mercadorias e serviços, com forte presença de criminosos e uma ampla gama de facilitadores, muitas vezes da economia legal, que fornece atividades de apoio para transações ilícitas. Segundo os pesquisadores, todos eles têm em comum um ambiente favorável para o comércio ilícito facilitado pela corrupção, lavagem de dinheiro e facilitadores que desempenham um papel crítico no apoio a essas atividades criminosas e na movimentação de mercadorias ilícitas através das fronteiras, zona de livre comércio ou de um centro para outro.
Tríplice fronteira: um dos principais eixos da ilegalidade no mundo
Os problemas enfrentados na fiscalização do comércio ilegal na região fronteiriça entre Paraguai e Argentina, conhecida como a principal área de contrabando da América do Sul não são recentes. A região compreende as cidades de Foz do Iguaçu, Ciudad del Este e Porto Iguazu, sendo o principal eixo de ligação entre as atividades do crime organizado e do terrorismo internacional, com atividades criminosas como o comércio ilegal de diversos produtos, cigarros, tráfico de armas, drogas e esquemas de facilitação e lavagem de dinheiro.
Um dos integrantes da equipe que estudou o tema no Brasil foi o coordenador Regional da Rede de Pesquisa sobre Terrorismo (TRI), o professor da PUC/MG Dr. Jorge Lasmar, que apontou alguns cenários desafiadores para a contenção da expansão do mercado ilegal e do tráfico internacional de armas e drogas no país.
“Percebemos no estudo que estamos significativamente acima da média global em termos de crime de mercado”, pontua Lasmar. No índice Global de Crime Organizado, que vai de 1 (melhor) a 10 (pior), a pontuação do Brasil é de 6.5, com classificação considerada alta no nível de risco do comércio ilícito. Segundo o professor, é possível destacar algumas características que facilitam os chamados “portos seguros” do comercio ilícito pelo mundo, como a presença de agentes facilitadores, os esquemas profissionais de lavagem de dinheiro, grupos criminosos que constituem instituições financeiras, além de corrupção, má governança, e as conexões com violência e terrorismo.“A sofisticação dos traficantes dificulta muito a inspeção das autoridades, com mudança das rotas e sofisticação das camuflagens, com drogas escondidas dentro de remessas carvão e em gomas aplicadas nas roupas. Não é mais como no passado. O atual fluxo do crime internacional muda com frequência o seu Modus Operandi e os serviços oferecidos, dificultando o trabalho das autoridades. São trilhões de dólares de perdas globais com o comércio ilegal”, relata o professor.
Convergência de crimes
A diretora da Rede de Pesquisa sobre Terrorismo, Radicalização e Crime Transnacional (TRAC), Dra. Rashmi Singh, explica que há uma percepção por parte dos pesquisadores de um processo de transição de grupos criminosos, que diversificam a sua atuação no tráfico de drogas e armas para os cigarros ilegais. “Os riscos são muito menores, comparativamente com outros delitos, as penas são muito mais brandas e os lucros gerados são muito altos”, relata Singh.
A fala da pesquisadora corrobora com as informações divulgadas pelo Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP) e pela Receita Federal. Dentre os produtos ilegais mais apreendidos pelas forças de segurança, o cigarro aparece como campeão do contrabando no Brasil, com cerca de 162 milhões de maços da mercadoria confiscados pela Receita Federal durante 2022, ano em que as vendas de cigarros ilegais, na maior parte contrabandeados do Paraguai, atingiram 41% de todo o mercado nacional. Ainda segundo o FNCP só com o comércio ilegal de cigarros, milícias e organizações criminosas movimentaram o equivalente a R$10,4 bilhões, apenas em 2022.
Na avaliação de Edson Vismona, presidente do FNCP e do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), a pesquisa global demonstra que enfrentamos crimes transnacionais, praticados por organizações criminosas que são financiadas pelos ganhos obtidos com o mercado ilegal. “Essas organizações se apoiam e se fortalecem em todo o mundo, afrontando a lei e enfrentando o Estado, em evidente ameaça à toda a sociedade.”
Segundo ele, a constatação apresentada sobre a tríplice fronteira denuncia que há um franco crescimento das organizações criminosas, que ampliaram suas ações para além da fronteira, atuando dentro dos países. “Utilizam a mesma logística para distribuírem cigarros, operação altamente lucrativa, drogas, armas, munição e tráfico de mão de obra utilizada em condições análogas à escravidão, como percebemos nas fábricas ilegais de cigarros encontradas no Brasil e fechadas pelas operações policiais”, pontua.
Vismona defende, ainda, que além da crescente necessidade de investimentos e ações de controle fronteiriço, é necessária uma revisão tributária como forma de frear o mercado ilegal, uma vez que a alta disparidade tributária do Brasil com o Paraguai, principal fornecedor de contrabando de cigarro, traz vantagem competitiva ao ilegal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário