O Sistema Único de Saúde é a política pública mais democrática de todas. Isto escrevo com convicção. Que outra política pública reuniria um grupo tão plural – gestores, profissionais de saúde, usuários, sociedade civil organizada – para definir os rumos da sua aplicação prática em nosso Estado e, também, em nosso país?
Nesta última semana, o Maranhão reuniu todos os entes para definir quais são as prioridades para o Sistema pelos próximos quatro anos, vislumbrando, deste modo, estratégias que manterão firmes benefícios já conquistados, quais avanços precisam ser alcançados e que mudanças deverão ser implementadas para melhoraria da assistência e do serviço ao usuário do SUS.
A Conferência Estadual de Saúde é um instrumento de controle democrático. Por meio dela, sociedade civil e representantes do governo elaboram um plano conjunto para a saúde pública do Maranhão para os próximos anos. Claro que o Governo do Estado pode, e deve, fazer seu planejamento e definir metas – como a redução da mortalidade materna-infantil que está em curso. Todavia, de tempos em tempos, a Conferência define, democraticamente, as diretrizes para melhoria da qualidade dos serviços de saúde pública.
Esta responsabilização coletiva é muitíssimo importante. Afinal, nem todas as medidas, diretrizes, mudanças são acarretadas unilateralmente pela gestão governamental impelida por própria elaboração técnica, por vezes, política. Não na saúde. A sociedade detém voz ativa neste espaço, ela garante maior legitimidade às discussões e aos projetos que resultarão em qualidade de vida para ela mesma.
Além disso, compartilhei durante a Conferência um assunto que tenho insistido nestes últimos tempos, um risco iminente que vai muito além de uma preocupação de gestor da saúde: a desvinculação das receitas do SUS. Se antes eu já tratava dos problemas causados pelo subfinanciamento do Sistema, agora preciso que todos – sociedade principalmente – compreendam o quão terrível será ao SUS se não houver obrigatoriedade de vinculação de receitas para a execução desta política pública.
Ao longo dos anos, o Governo Federal tem reduzido a sua contrapartida no financiamento do sistema. Desta vez, a União planeja a desvinculação total. Isso quer dizer que estados, municípios e a própria União não terão mais requisitos mínimos de gastos. O que o governo federal está a propor é o fim do piso de gastos, dando total autonomia para gastarem o que bem entenderem.
Não são precisos muitos esforços para entender que a medida afetará, principalmente, o usuário do serviço, o paciente. E, por isso, é tão necessário – justamente neste momento da nossa tão recente caminhada com o SUS – dizer não a este projeto.
Estagnaremos ou retroagiremos? Ao meu ver, a desvinculação de receitas é a extinção em massa de diversos projetos e avanços dentro da política pública de saúde. Fazer saúde requer um alto investimento, que não sobrevive somente de boas ideias.
Nas unidades da federação, a lei determina que os estados reservem 12% e municípios 15% de suas receitas líquidas provenientes da arrecadação com saúde.
Caso a desvinculação total seja aprovada não haverá mais esse piso, e se hoje, mesmo com o limite de investimentos sendo definidos por lei, há quem não respeite os percentuais mínimos, o que esperar quando essa garantia legal for retirada?
A política pública de saúde depende sempre de mais investimentos, nunca menos. Ao analisar países desenvolvidos, cujo sistema de saúde é similar ao nosso, o gasto neste setor é, em média, 8% do Produto Interno Bruto. No Brasil, os gastos públicos não alcançam 4% do PIB. A verdade é que o financiamento do SUS, tal como ele é, não tem sido suficiente para assegurar recursos financeiros adequados para o sistema público, resultando em um grande déficit para atendimento às necessidades de saúde da população. O SUS é uma conquista civilizatória do Brasil, fruto do esforço imenso de uma geração. Se nos beneficiamos deste serviço, por que comprometer as futuras gerações do mesmo direito?
Se compreenderam até aqui, então, respondam-me: como poderemos desvincular os recursos do texto da Constituição? Como poderíamos permitir tamanho retrocesso?
No mês de agosto, 100 delegados, representantes do Maranhão, levarão à Conferência Nacional de Saúde diretrizes que priorizam a prática do princípio constitucional da saúde como direito de todos e dever do Estado. Usuários do SUS, trabalhadores da saúde e gestores precisarão, mais do que nunca, defender este sistema.
Antes do desmonte do SUS, que venha a guerra. Que possamos, trabalhadores, usuários e gestores, juntos, na mesma batalha, dizer não a esse enorme retrocesso.
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