sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Justiça condena associação por promover rinha de galos

 

O Poder Judiciário, por meio da Vara de Interesses Difusos e Coletivos de São Luís, condenou a Associação dos Criadores da Raça Índio Brasileiro (ANCRIB) e mais dois réus a se absterem de promover, organizar, participar ou realizar qualquer tipo de apologia à prática de “rinhas de galos” ou outras formas de lutas entre animais, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 por cada ato de descumprimento, valor a ser revertido ao Fundo Estadual de Direitos Difusos, conforme sentença assinada pelo juiz Douglas Martins. Deverão os réus, ainda, pagar indenização pelos danos morais coletivos no valor total de R$ 90.000,00, correspondente à cota de R$ 30.000,00 para cada réu, valor que também será revertido ao Fundo Estadual de Direitos Difusos.

Trata-se de ação ajuizada pelo Ministério Público em face de particulares e de associação de criadores, visando à responsabilização por danos ambientais decorrentes da organização, promoção e participação em evento de “rinha de galos” no município de São Luís. Na ação, o autor propôs a condenação dos réus em obrigação de não fazer, ao pagamento de indenização por dano moral coletivo e à perda dos animais e materiais utilizados na prática ilícita. Conforme pontuou o juiz, o debate consiste em aferir a responsabilidade civil objetiva e solidária dos réus pela prática de maus-tratos a animais, configurada pela realização de “rinha de galos”, e se essa prática, por sua natureza cruel e socialmente reprovável, gera dano moral coletivo passível de indenização.

ESTRUTURA COMPLETA

A ação é fundamentada em inquérito policial, instaurado após denúncia anônima sobre a realização de um evento de rinha de galos em um sítio no bairro Araçagy. Sustentou que, em diligência policial realizada em 21 de outubro de 2016, foi flagrada a prática delituosa, com a presença de cerca de 100 pessoas, entre criadores e apostadores. Narrou que no local foi encontrada uma estrutura completa para a realização dos combates, incluindo duas arenas (ringues), galpões com gaiolas, 188 aves da raça “índio brasileiro” (muitas delas feridas), além de medicamentos, seringas, esporas artificiais e outros apetrechos utilizados para potencializar as lesões nos animais. 

Argumentou que o réu Marcos Antônio de Araújo Mendonça, na condição de presidente da ANCRIB, participou ativamente, palestrando e trazendo seus próprios animais para os combates. Constatou-se, ainda, que a associação ré promovia abertamente a prática em seu site oficial, fazendo apologia à atividade criminosa. Por fim, foi apurado que o réu Adailton Soares Serra seria o responsável pela cobrança dos ingressos e por auxiliar na organização geral do evento. O Judiciário promoveu uma audiência de conciliação, mas as partes não chegaram a um acordo. 

“A Constituição Federal, em seu artigo 225, veda expressamente práticas que submetam os animais à crueldade, conferindo proteção à fauna contra quaisquer formas de maus-tratos (…) A responsabilidade civil por dano ambiental é objetiva, com base na teoria do risco integral (Lei nº 6.938/81), bastando a comprovação do dano e do nexo de causalidade, sendo solidária entre todos os que concorreram para o ato ilícito (…) O dano ambiental restou fartamente comprovado por laudo pericial criminal e fotografias, que atestaram a estrutura montada para os combates e as lesões infligidas aos 188 galos apreendidos, submetidos a sofrimento intenso para fins de entretenimento e apostas”, observou o magistrado na sentença.

Novas audiências de conciliação foram realizadas, resultando em acordos com réus, tirando-os do processo. “O nexo de causalidade entre a conduta dos réus e o dano ambiental revela-se evidente (…) Adailton participou diretamente do evento, sendo responsável pelo controle de acesso e pela cobrança de ingressos, desempenhando papel essencial para a concretização da atividade ilícita (…)  Já o réu Marcos Antônio atuou como protagonista, não apenas na condição de criador e participante, mas também como palestrante, legitimando e incentivando a prática criminosa na qualidade de presidente da associação demandada”, pontuou.

“Já a Associação Nacional dos Criadores da Raça Índio Brasileiro, por intermédio de seu representante e de seu site oficial, realizou verdadeira apologia à rinha de galos, promovendo uma cultura de crueldade contra animais e afrontando a legislação vigente, o que a torna diretamente responsável pelos danos constatados”, prosseguiu Douglas Martins, frisando que a responsabilidade dos réus é solidária, pois todos, de diferentes formas, concorreram para a produção do mesmo dano ambiental.

SOFRIMENTO ANIMAL

A justiça entendeu que ficou demonstrada a prática de atividade que gera repulsa social, ao submeter animais a intenso sofrimento como esporte, cabível a condenação ao pagamento de dano moral coletivo. “O Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido tal modalidade de dano em diversas situações (…) Para fins de demonstração de dano moral a uma coletividade, é necessário que se comprove a ocorrência de uma conduta afrontosa ao ordenamento jurídico, bem como que o fato transgressor seja de razoável significância e transborde os limites da tolerabilidade, causando sensação de frustração e impotência, ou mesmo revolta, na sociedade (…) A organização de um evento interestadual para a prática de rinhas, com estrutura sofisticada e ampla participação, representa uma grave ofensa aos valores éticos e jurídicos de proteção à fauna, gerando um sentimento de indignação e desvalorização da vida que atinge toda a coletividade”, destacou o juiz.

O magistrado determinou envio de ofício às secretarias Estaduais e Municipais de Meio Ambiente, bem como aos órgãos de fiscalização competentes, de todas as unidades da federação. “Encaminhando-se cópia da presente sentença, a fim de que adotem providências voltadas a inibir e reprimir a realização da mencionada atividade, bem como a prevenir a ocorrência de práticas semelhantes em seus territórios”, finalizou.

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